domtotal.com
A cultura brasileira é capaz de ajudar a achar soluções para a crise de valores generalizada.
Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Celso Furtado e Gilberto Freire.
Por Pablo Pires Fernandes*
O debate, certamente, nunca vai cessar. Tampouco fornecer novas questões e querelas (benvindas, diga-se). Detectar e definir o que é a identidade brasileira, os traços que a tornam particular e específica é uma discussão vasta e que, ao longo da nossa história, se destaca por ter atraído estudiosos das mais diferentes correntes a discorrer sobre o tema. Longe de abordar todos os aspectos da questão e apresentar respostas, considero frutífero lançar algumas linhas a respeito de quem já abordou a questão (1) (2), que tem renascido com força nos últimos anos.
Na base do farol não há luz, livro do italiano Mauro Maldonato (Sesc Edições-SP, 2016), aborda a crise da democracia e sua legitimidade representativa, aspectos da cultura, educação e liberdade. Porém aqui, o que interessa é o complemento escrito por Danilo Santos de Miranda, que traz a discussão para o Brasil e toca em pontos fundamentais sobre a identidade brasileira.
O autor brasileiro indaga como a cultura dialoga com a dinâmica social, buscando aproximar o fazer artístico da reflexão sobre a especificidade nacional. O autor aponta que, historicamente, a investigação sobre a identidade nacional sempre deixou claro o fator contraditório, paradoxal e ambíguo dessa dita "cara do Brasil".
Cita Caio Prado Júnior, por exemplo, que já em 1942, destacava o modelo escravagista, a dependência externa e a indistinção entre público e privado como determinantes de certa lógica especificamente brasileira. A falta de clareza entre o público e o privado, aliás, é tema constante nos clássicos intérpretes do país: Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Celso Furtado etc. É uma questão ainda mal resolvida, creio, ou a corrupção que contamina o Estado não seria tão generalizada.
Um problema recorrentemente mencionado são os estereótipos: samba, carnaval, mulata, futebol etc. Em geral, são conceitos que de fato têm importância para a cultura nacional. No entanto, são demasiadamente simplistas, pois implicam homogeneização e não dão conta de abarcar a imensa pluralidade cultural do país, muito menos as complexas relações sociais latentes em cada um desses rótulos.
Mas Miranda encontra na arte brasileira – seja em Machado de Assis ou em Helio Oiticica – exemplos de uma maneira distinta de ver o mundo. E ela é alentadora. O papel da arte em deslocar percepções e constantemente questionar as relações sociais, política e fórmulas decantadas exalta o pensamento crítico como poucos. Diante da óbvia falência do modelo iluminista racional, que incorre em um cientificismo oco de sentido espiritual e existencial, a arte brasileira, sua novidade, sua capacidade de improvisação, a aposta no corpo como elemento de resistência individual, a ginga e, sobretudo, a disposição ao afeto e ao encontro com o outro são sopros que abrem portas para novas formas de sociedade.
E o Brasil, pode sim, contribuir para a criação de alternativas diante de um modelo exclusivamente racional, consumista e capitalista. Não há fórmula pronta. Há muito trabalho e pensamento por se fazer.
*Pablo Pires Fernandes é jornalista, subeditor do caderno de Cultura do Estado de Minas e responsável pelo caderno Pensar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário