segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Que te fiz, povo meu?

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A profecia de Miqueias é viva, dura, e parece que feita para nós, hoje.
Enquanto resistirmos, sobreviveremos. Já sobrevivemos antes e sabemos que é possível prosseguir.
Enquanto resistirmos, sobreviveremos. Já sobrevivemos antes e sabemos que é possível prosseguir.

Por Felipe Magalhães Francisco*

A pergunta quem levanta é o próprio Deus, no processo contra o povo e seus líderes, como nos aponta o profeta Miqueias, em 6,3. O questionamento nos revela um Deus que se afeta, porque ama. Depois de libertar Israel do Egito, e de tantos outros feitos, nos quais os israelitas puderam gozar do orgulho de possuir uma terra, que lhes davam identidade de povo, voltaram-se contra Deus, ao agir injustamente contra os pobres. A profecia de Miqueias é viva, dura, e parece que feita para nós, hoje.

A missão de um profeta, anunciando a Palavra de Deus, é a de trazer luz para as sombras que ocultam a real situação da vida do povo. Sua palavra cortante rompe com a situação de injustiça, gerando o desconforto para aqueles que são os primeiros responsáveis por fazer valer o direito e a justiça na vida das pessoas, a começar pelos empobrecidos. É por isso que Jesus constata logo que nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra (cf. Mc 6,4). Conhecedor das mazelas pelas quais o seu povo passa, o profeta critica essa realidade injusta à luz daquilo que é o projeto de Deus para a dignidade de todos e todas.

No entanto, não podemos nos esquecer dos profetas da corte, que agem segundo seus próprios interesses, compactuando com a manutenção das estruturas de injustiças: são falsos esses profetas. Em nosso país, tão maltratado qual ovelhas estropiadas (cf. Mq 4,6), um exemplo claro desses profetas da corte são os porta-vozes da mídia oligárquica, cujos donos impõem uma pauta amarga para o país, colocando ao chão toda iniciativa de valorização da soberania nacional.

O profeta Miqueias é duro em relação a esses falsos profetas e os deixam expostos em suas posturas injustas: “Quando têm alguma coisa para mastigar, eles só anunciam paz, mas armam uma guerra santa contra quem nada lhes põe na boca!” (3,5). Não é difícil perceber como a mídia de nosso país se comportou nos últimos vinte anos – para não ter que ir muito na história – e como a palavra de Miqueias encontra razão. Não é loucura dizer que o ódio que tem se manifestado em nosso país tenha sido insuflado pela mídia, cujos serviços manipulam milhares e milhares de homens e mulheres, robotizados e alienados.

Não há como negar, entretanto, que a internet tem revelado uma possibilidade outra ante a necessidade de informação, de forma crítica, diversa e plural. “Mas eu, por mim, estou cheio de coragem, do espírito do Senhor, de decisão e de força, para denunciar a Jacó os seus crimes, a Israel, os seus pecados” (Mq 3,8). E é só por isso que podemos saber das injustiças cometidas contra a soberania nacional, contra os direitos dos empobrecidos e empobrecidas, contra os conluios maquinados durante a noite, e que nos colocam de joelhos diante dos interesses que nos são estrangeiros. O cenário é terrível e os próximos anos serão amargos, sem soberania, sem crianças realmente felizes, educadas, conscientes e orgulhosas de pertencerem a um país forte. Mas a esperança é o que nos faz lutar e resistir. Enquanto resistirmos, sobreviveremos. Já sobrevivemos antes e a história nos ensina que é possível prosseguir.

Dos filhos dessa pátria-mãe tão distraída, que aos poucos vão tomando consciência de terem sua terra subtraída em tenebrosas transações, graças aos verdadeiros profetas, o lamento que nos inspira o próprio Deus: “Que te fiz, povo meu?”. Mas o lamento não será situação final: com os poetas-profetas, já podemos cantar que “vai passar!”. Sim, vai passar!

*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail para contato: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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