domtotal.com
Minha viagem exploratória mais perigosa aconteceu em Minas Gerais.
Cheguei ao cume, a mais de 2.500 metros de altitude.
Todo escritor tem suas manias. Uma das minhas é visitar os lugares onde situo as histórias que escrevo. Não possuo a capacidade de muita gente que enche nossos olhos com detalhes de coisas que nunca viu. Borges, por exemplo, dizia jamais ter tocado um tigre e conhecia treze maneiras de descrevê-lo. Quanto a mim, pobre de mim. Preciso visitar cada local para me inspirar e melhor integrar as personagens ao ambiente. A deficiência me fez percorrer 50000 quilômetros para delinear um romance. Eram dois casos de amor: o meu pela narrativa e entre os dois protagonistas.
Minha viagem exploratória mais perigosa aconteceu em Minas Gerais, lá no Sul, na divisa com o Rio de Janeiro e São Paulo. Uma personagem, depois de, por vingança, cometer assassinatos na própria família, enlouquece e vagueia pela Serra da Mantiqueira sem água e sem alimento. Resolvi sentir na pele as agruras do louco.
Para tanto, fiz três caminhadas ao longo dos vales e montanhas mais bonitos do país. Na primeira, escalei o Pico do Papagaio, em Aiuruoca. Subi com um guia, sem problema. Até corremos durante parte do trajeto. Na segunda, o Pico dos Marins, levei um susto: o guia debandou, berrando que havia uma dama de branco à nossa frente, o que nos traria a morte, caso prosseguíssemos na trilha. O marmanjo fugiu da neblina que o calor da manhã dissipava e assumia estranhas formas. Fui em frente sozinho.
Na terceira, a escalada do Pico das Agulhas Negras, cometi o engano. Engano quase fatal. Da mesma maneira que meu louco, parti sozinho para a montanha. Sem água, comida, corda e chapéu. Parecia fácil. Não era. O sol me castigou. Mesmo tendo abreviado o percurso e optado pelo Pico das Prateleiras, onde havia água na base, a sede me castigou na encosta íngreme. Meus tênis velhos escorregaram na rocha, quase caí. Num momento em que estava muito desidratado, um grupo de escaladores paulistanos me socorreu: vários me ofereceram goles de água. Goles salvadores. Fiquei-lhes extremamente grato. Dividiram sua pequena reserva comigo. Solidariedade para um louco. Solidariedade nas alturas.
Cheguei ao cume, a mais de 2500 metros de altitude. Desci depressa, já sem qualquer preocupação literária. Que se danasse a personagem. Queria apenas me safar da insolação. No hotel, consumi todo o estoque de água. Insatisfeito, fui para o quintal e bebi direto da torneira. Com febre, baixei ao hospital para tomar soro.
Fim da mania de conhecer os lugares antes de colocá-los no papel? Ainda não. Escrever é uma curtição. Sobretudo quando o autor perde o juízo.
*Luís Giffoni tem 25 livros publicados. Recebeu diversas premiações como do Prêmio Jabuti de Romance, da APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte, Prêmio Minas de Cultura, Prêmio Nacional de Romance Cidade de Belo Horizonte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário