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Porque não multiplicar a presença das mulheres na formação do laicato e do clero, valorizar a sua contribuição nos campos teológico, bíblico e pastoral?
A cada dez minutos uma mulher é assassinada por um homem, segundo a ONU. (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Por Élio Gasda*
A Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres (20/11 a 10/12) é uma oportunidade para avaliar as conquistas das mulheres e discutir ações afirmativas de igualdade de gênero. É um chamado para intensificar os esforços para a prevenção do feminicídio. A cada dez minutos uma mulher é assassinada por um homem, segundo a ONU. As mulheres estão submetidas cotidianamente à violência, posto que a maioria sente-se insegura andando pela rua. A violência não ocorre somente dentro de casa, mas no trabalho, no transito, na escola, nas igrejas. São muitas as razões pelas quais a sociedade cobre esta violência com o manto da invisibilidade. A cultura da objetificação da mulher ainda não foi rompida. Existe uma impunidade generalizada.
A culpa não é delas. Não se trata de um problema exclusivamente feminino. A retomada da luta por direitos tornou-se ainda mais urgente diante da intensificação dos discursos conservadores e religiosos fundamentalistas. O golpe parlamentar contra a primeira presidenta mulher do Brasil sinalizou que o país entraria na contramão das conquistas relacionadas à igualdade de gênero. Um dos primeiros atos de um governo misógino foi acabar com a Secretaria de Políticas para as Mulheres.
O cristianismo estabeleceu, pela primeira vez na história, uma igualdade entre mulheres e homens. “Deus não é de modo algum à imagem do homem. Não é nem homem nem mulher. Deus é puro espírito, não havendo nele lugar para a diferença dos sexos” (Catecismo, §370). Mas até meados do século XX as mulheres não ocupavam nenhum lugar importante na Igreja. Não estavam autorizadas a receber a comunhão durante o período menstrual; depois do parto, tinham de ser ‘purificadas’ antes de poderem reentrar numa igreja. Era-lhes proibido tocar nos ‘objetos sagrados’ tais como o cálice e a patena. Na igreja deviam usar sempre um véu sobre a cabeça. Agora as mulheres podem ser ‘encarregadas temporariamente’ de ler, servir à missa, cantar, pregar, dirigir celebrações não eucarísticas e distribuir a comunhão.
As mulheres são a grande maioria entre os católicos atuantes. E a maioria dos católicos concorda que homem e mulher são feitos à imagem de Deus e igualmente redimidos em Cristo. É surreal que elas estejam relegadas a segundo plano em diversas instâncias da vida eclesial. Porque não multiplicar a presença das mulheres na formação do laicato e do clero, valorizar a sua contribuição nos campos teológico, bíblico e pastoral? O que fata para incluir mulheres nos círculos que assessoram o governo da Igreja, nas Conferências Episcopais, nas Comissões das Congregações romanas com voz ativa? No Sínodo sobre a Família nenhuma mulher teve direito a voto. Quem sabe mais de família do que elas?
O funcionamento das estruturas eclesiásticas está enraizado no sistema patriarcal. Que a primeira reunião da Comissão de Estudo sobre o Diaconato das mulheres (25 a 26/11) seja um passo para sair deste modelo obsoleto de Igreja. O diaconato feminino, além de reparar uma injustiça secular, seria um primeiro sinal para corrigir um desajuste anti-evangélico. A Boa Nova de Jesus é de tal grandeza que quebrou toda forma de exclusão na comunidade. Todo batizado é sujeito de todos os sacramentos. Uma Igreja toda ministerial e servidora do Reinado de Deus pressupõe um papel substancialmente paritário no exercício pastoral. Não se trata de uma simples adequação da Igreja aos novos tempos, mas uma profunda conversão que parte das suas origens ao retomar o protagonismo que Jesus atribuiu às mulheres. “Na América Latina e no Caribe é necessário superar a mentalidade machista que ignora a novidade do cristianismo, onde se reconhece e se proclama a igual dignidade e responsabilidade da mulher em relação ao homem” (Doc. de Aparecida, 453).
Os argumentos para uma mudança substancial da situação da mulher encontram-se na própria história das origens do cristianismo. Embora a Igreja primitiva tenha incorporado vestígios dos códigos domésticos patriarcais, ainda transparece o ideal de complementariedade e igualdade de gênero. Depois de algumas tentativas meteóricas de apropriação da declaração de que em Cristo já não há homem e mulher (Gal 3, 28), caiu-se em metáforas espiritualistas inócuas. Mas o conhecimento da história pode reacender perspectivas de futuro que devem traduzir-se no presente. Urge recuperar as possibilidades perdidas no tempo da vocação batismal do discipulado de iguais. Esta passagem daria um novo rosto a uma Igreja em que todos seriam realmente aceitos como filhos e filhas de Deus. A principal força de renovação da Igreja é a mulher. Menos contaminadas pelo poder, estão mais próximas dos pobres, dos sofredores e das crianças. Que as vozes femininas sejam ouvidas. Elas têm muito a dizer sobre as questões que a Igreja está enfrentando.
*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
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