sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Rolls-Royce não estraga

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Que papelão, hein?
O Rolls-Royce rateou, tossiu e, aos solavancos, finalmente parou, soltando fumaça.
O Rolls-Royce rateou, tossiu e, aos solavancos, finalmente parou, soltando fumaça. (Reprodução)
Por Fernando Fabbrini*

Comentei aqui sobre a vertiginosa perda de qualidade que assola a humanidade, materializada em produtos que são verdadeiras porcarias. Alguns amigos e leitores, igualmente pês da vida, mandaram e-mails a respeito e cada um deles tinha um exemplo novo de produto vagabundo, feito para enganar a gente.

A lista é grande, mas destaco alguns encontráveis naquele supermercado do seu quarteirão. Vários amigos citaram a quantidade ínfima de iogurte agora dentro dos potinhos. Os referidos potes já vão encolhendo misteriosamente nas linhas de produção. E o volume de iogurte também. Repare: sob a aba metálica você encontrará um espaço imenso e incompreensível entre a tampa e o nível do produto. Por que não vem cheio até o topo? Truques diabólicos de marketing, com certeza.

Na mesma linha de produtos lácteos, outro leitor alertou para a espessura dos queijinhos tipo polenguinho. Comprador eventual desses laticínios, o detalhe já tinha me chamado a atenção. Olhando de cima, não mudou nada. Trata-se de um quadrado (ou de um triângulo) embalado em papel alumínio, com um lindo rótulo colorido. Porém, experimente examiná-lo de lado. Se sua memória for boa, vai acusar uma descarada redução na espessura do queijinho. Safadeza de marketing.

Agora, saia da frente da geladeira e dirija-se, por favor, ao setor de inseticidas. O verão está chegando, pernilongos também, e você vai precisar de um daqueles inseticidas elétricos de botar na tomada. Portanto, muita atenção na hora de escolher o refil azul, os quadradinhos de papelão impregnados de veneno. Na presente temporada, uma determinada marca resolveu economizar e reduziu a espessura do papelão, acredita? Assim, estarão poupando o papelão em si – agora mais fino – e também a quantidade de inseticida ali impregnada. Porém, os aparelhos continuam os mesmos. A promessa dos fabricantes era clara: todos os refis serviriam em todos os aparelhos. Mentira, só em alguns: as novas pastilhas fininhas não oferecem pressão para permanecerem no lugar, espremidas pela grade de plástico – e caem. Que papelão, hein?

Comentando sobre qualidade lembrei-me de uma história antiga – possivelmente uma anedota – que ganhou fama aí pelos anos 60. Dizem que um turista inglês viajava pelo mundo conhecendo novas paisagens, povos e culturas. Muito rico, de roupa cáqui e chapéu de explorador, guiava seu Rolls-Royce zerinho, feliz da vida. Um dia, passando por uma estrada no meio da selva africana, aconteceu o que ninguém previa: o Rolls-Royce rateou, tossiu e, aos solavancos, finalmente parou, soltando fumaça.

- Oh my God! Disgusting! – disse o inglês, cofiando os bigodes.

Mas não se abalou. Pediu carona até um posto telefônico. (Nota-se que a piada é antiga, sem celular). De lá ligou para a fábrica e informou o ocorrido. O atendente respondeu com toda fleuma:  

- Não se preocupe, senhor. Vamos tomar providências imediatas.

Horas depois pousava um helicóptero trazendo uma dúzia de mecânicos, uma luxuosa barraca com ar condicionado, champanhe, caviar e todo o conforto para o viajante. E em poucas horas, o Rolls-Royce estava pronto, ronronando como um gatinho feliz.

- Em quanto ficou o conserto? – perguntou o viajante.

- Não sabemos o valor ainda. Ao voltar à Inglaterra procure nossa fábrica, certo?

O inglês concluiu sua longa viagem de muitos meses, sempre a bordo do carro impecável. Voltando a Londres, dirigiu-se imediatamente à Rolls-Royce para acertar as contas. Um funcionário atencioso, bigodudo, de paletó de tweed e gravata de seda olhou os registros, folheou notas e, com ar cúmplice, respondeu:

- Excuse me, sir! Deve ter sido um engano, o senhor não nos deve nada. Mesmo porque, como sabemos, um Rolls-Royce nunca estraga.

* Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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