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Não só a relação que os fãs experimentam com a franquia tem algo de religioso, mas seu próprio conteúdo toca elementos importantes da experiência de fé.
Star Wars se baseia nos temas fundamentais das religiões e mitologias. (Reprodução)
Por Gilmar Pereira*
Quem conhece os fãs da saga Star Wars pode dizer categoricamente que a admiração por eles nutrida beira a devoção. Além dos oito filmes, animações, livros, quadrinhos, games, brinquedos e uma série de outros produtos que vão de broches e chaveiros a fantasias e máscaras realísticas permeiam a vida dos admiradores desse universo fantástico. Algo assim acontece também aos fiéis radicais que se cobrem dos elementos de sua crença, com a diferença de que, em se tratando de religião, estes podem chegar a adotar práticas extremadas muito facilmente por interpretações equivocadas.
Não só a relação que os fãs experimentam com a franquia tem algo de religioso, mas seu próprio conteúdo toca elementos importantes da experiência de fé. Isso porque seu criador, George Lucas, teve como inspiração o trabalho acadêmico do especialista em mitologia e religião comparada, Joseph Campbell. No livro ‘O herói de mil faces’, o mitólogo traça paralelos e estabelece semelhanças entre diversas culturas , observando como as narrativas se repetem apesar das diferentes localizações e tempos nas quais foram construídas.
Baseando-se nos temas fundamentais das religiões e mitologias, a história se criou. Portanto, o fascínio que um personagem como Luke Skywalker exerce é o mesmo de um Jasão ou Ulisses em suas jornadas ou até mesmo de um profeta bíblico como Jonas. Aliás, o próprio Campbell reconhece em certa cena, em que Luke está dentro de um compressor de lixo, a experiência do profeta no ventre do grande peixe. A baleia representa “o poder da vida contido no inconsciente” e a passagem pelo seu ventre faz com que o herói/profeta saia de lá transformado. Trata-se do momento de encontro consigo que irrompe em vida plena, uma ressurreição.
Com Lucas e Campbell chegamos que a religião não é um problema para as juventudes ou algo que não goze de pertinência na contemporaneidade. Ao contrário, a religião ainda tem uma palavra forte sobre os temas que tocam os indivíduos. Seu problema talvez esteja muito mais na forma com que seus conteúdos são apresentados. É aqui que Star Wars se aproxima, de fato, da religião, propondo uma espécie de espiritualidade secular, onde valores e princípios humanos fundamentais são narrados numa nova mitologia, fantasiosa na forma, mas verdadeira naquilo que diz. Vale lembrar que o mito não é uma mentira, mas uma verdade dita de modo alegórico. Religiosos e não-crentes têm mais pontos de convergência do que podem imaginar.
Para começar esse diálogo, Demétrios dos Santos Ferreira lança um olhar sobre a noção de Força na saga e sua relação com o divino no texto O divino em Star Wars: a Fé na Força?. Uma das conceituações dadas por um dos personagens, Obi-Wan Kenobi, sobre a Força diz que ela “É um campo de energia criado por todos os seres vivos, ela nos envolve e penetra. É o que mantém a Galáxia unida". Seria, por acaso, uma tradução para a noção religiosa de Deus?
Essa mesma fé na Força é encontrada em expressões como “Que a Força esteja com você”, muito similar à saudação “A paz esteja convosco”. Para os cristãos, Jesus é a paz, o Shalom do Pai que reconcilia em si aquilo que é dividido pelo pecado. Desejar a paz é comunicar que se quer a presença da graça divina na vida de alguém e com ela se irmanar. E em Star Wars? Seria uma forma de benção desejar a presença da Força? Qual o significado disso? É o que Alexandre Marcelo Bueno trata no texto A paz esteja convosco! Que a Força esteja com você! - Star Wars e o significado da bênção.
Por último, a adesão à esse princípio vital que move o universo e o despertar para sua presença tem algo que se assemelha à consciência humana de um princípio divino que lhe dá o ser. A positividade do princípio da vida coloca em questão o problema do mal e a adesão ao “lado sombrio da Força”. Alexandre Provin Sbabo, no texto Darth Vader e a possibilidade da negação de Deus: Indo para o lado sombrio da Força, trata do que pode conduzir alguém à opção pelo mal.
Entre alienígenas e sabres de luz, a ficção fala de uma batalha real que acontece no infinito da subjetividade de cada pessoa. Ali, no coração humano, é onde acontece a verdadeira Guerra nas Estrelas.
Boa Leitura!
*Gilmar Pereira é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF e em Teologia pela FAJE. Responsável pela editoria de Religião do Dom Total. Escreve a 'Dica da Semana', às sextas-feiras, neste site. Palestrante, fotógrafo, cerimonialista, assessor de comunicação. E-mail: gilmar_jf@hotmail.com.
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