terça-feira, 24 de outubro de 2017

Papa repreende Cardeal Sarah por declarações em matéria de liturgia

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O Papa explica que seu motu proprio estabelece "uma clara diferença" entre o que se entende por "reconhecimento" e "confirmação".
A divergência do Cardeal Sarah com o Papa tornou-se uma causa de constrangimento.
A divergência do Cardeal Sarah com o Papa tornou-se uma causa de constrangimento. (CNS photo/Bob Roller)
Por Gerard O'Connell

O Papa Francisco corrigiu publicamente o Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, em uma carta divulgada pelo Vaticano em 22 de outubro de 2017. Nessa carta, o Papa informa ao cardeal que o comentário atribuído por Sarah no motu proprio "Magnum Principium", em relação à tradução de textos litúrgicos, não é uma interpretação fiel e correta desse decreto papal.

O motu proprio (um edito emitido pessoalmente pelo Papa), publicado em 15 de setembro de 2017, devolveu às conferências dos bispos a autoridade que lhes foi dada pelo Concílio Vaticano II para "reconhecer" ou aprovar as traduções de textos litúrgicos do Missale Romanum latino na língua de seus respectivos países. Essa autoridade foi tirada por uma comunicação "Liturgiam Authenticam", uma instrução sobre a implementação da constituição do Vaticano II sobre a liturgia, aprovada por João Paulo II em março de 2001 e posteriormente emitida pela Congregação para o Culto Divino.

Em "Magnum Principium", o Papa Francisco distinguiu entre o "reconhecimento" (recognitio em latim) de uma tradução, autoridade que agora é dada às Conferências dos bispos, e a "confirmação" (confirmatio em Latim) das traduções pela Congregação para o Culto Divino do Vaticano. O retorno da autoridade às conferências dos bispos constituiu uma verdadeira restauração e desenvolvimento do concedido já pela constituição do Vaticano II sobre a liturgia, e foi amplamente recebida pelas Conferências dos bispos em todos os continentes.

O cardeal Sarah publicou um comentário em L'Homme Nouveau na França em 1 de outubro (o dia em que "Magnum Principium" entrou em vigor), no qual afirma, na realidade, que nada mudou. Ele disse que o "reconhecimento" e a "confirmação" são intercambiáveis, até mesmo termos sinônimos, e que a Congregação que ele dirige ainda possui a autoridade decisiva dada pela "Liturgiam Authenticam" que, aliás, mantém a palavra final sobre a questão das traduções.

Francisco revelou hoje que o cardeal lhe enviou uma carta em 30 de setembro de 2017, na qual Sarah agradeceu o Papa pelo "Magnum Principium" e lhe fez suas observações e questionamentos, aqueles que o cardeal já havia enviado para publicação em L'Homme Nouveau.

Em sua carta, escrita em italiano e datada de 15 de outubro de 2017, o Papa Francisco explica que seu motu proprio estabelece "uma clara diferença" entre o que se entende por "reconhecimento" e "confirmação" e afirma claramente que os dois atos não são "sinônimos" ou "permutáveis", como o cardeal afirmou em seu comentário. O Papa explicou ainda que seu motu proprio revogou a prática adotada pela Congregação após a publicação da "Liturgiam Authenticam".

Como resultado de seu motu proprio, explicou o Papa Francisco, as conferências dos bispos agora têm a responsabilidade de "traduzir fielmente" os textos litúrgicos do latim para a língua de seus respectivos países. Ele disse que a tradução deve ser fiel tanto ao texto latino original quanto ao idioma em que é traduzida, e também deve ser compreensível para aqueles para quem está destinado. O motu proprio também concede às conferências dos bispos "o direito de julgar a autenticidade e consistência" das traduções e verificar se a tradução é fiel ao texto latino original. Eles podem fazê-lo em diálogo com a Santa Sé, se necessário. Esse reconhecimento era anteriormente uma tarefa da Congregação.

O Papa explicou que "reconhecimento" significa "a verificação e preservação da conformidade com a lei e a comunhão da igreja" da tradução. Ele insistiu que "o processo de tradução de textos litúrgicos relevantes (isto é, fórmulas sacramentais, o Credo, o Pai Nosso) em um idioma - do qual eles são considerados traduções autênticas - não deve levar à "imposição" na Conferência dos bispos de uma dada tradução feita pelo dicastério (Congregação), pois isso prejudicaria o direito dos bispos".

Por este motivo, ele afirmou: "é incorreto atribuir à confirmação o propósito do reconhecimento".

O Papa Francisco então esclareceu o que significa "confirmação". Ele disse que "não é um ato puramente formal, mas necessário para a edição do livro litúrgico traduzido. É concedido depois da versão ser submetida à Santa Sé para a ratificação da aprovação dos Bispos num espírito de diálogo e ajuda da reflexão sempre que necessário, respeitando seus direitos e deveres, considerando a legalidade do processo em questão e seus caminhos".

De maneira muito importante, Francisco esclareceu que a "confirmação" não significa necessariamente um exame detalhado palavra por palavra, exceto nos casos óbvios em que podem ser refletidos a pedido dos bispos, uma reflexão adicional, observando que isso "é particularmente válido para as fórmulas relevantes, por exemplo, com as Orações Eucarísticas e especialmente as fórmulas sacramentais aprovadas pelo Santo Padre".

O cardeal Sarah, que foi nomeado prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos pelo Papa Francisco em 23 de novembro de 2014, originalmente divulgou seu comentário em francês, mas foi rapidamente disponibilizado em inglês e outras línguas em sites e blogs conhecidos por serem simpatizantes de sua maneira de ver a liturgia. De maneira significativa, o Papa Francisco pediu explicitamente em sua carta "para prover a divulgação da minha resposta aos mesmos sites", no qual o comentário de Sarah foi originalmente publicado. Ele também pediu a Sarah que envie sua carta "a todas as Conferências Episcopais" e "a membros e consultores "da congregação que ele dirige.

O Vaticano tinha a intenção de publicar a carta do Papa hoje, mas teve que adiantar a sua publicação depois que um site italiano próximo da posição litúrgica de Sarah publicou todo o texto ontem de manhã. Muitos em Roma estão se fazendo a pergunta: quem deu a carta ao site?

Esta é a terceira vez que o Papa Francisco corrige publicamente o Cardeal Sarah por dar uma interpretação alternativa às suas instruções sobre a liturgia. Em ocasiões anteriores, o Papa corrigiu o cardeal depois de Sarah ter deturpado a instrução do Papa sobre a lavagem dos pés na quinta-feira santa, e novamente depois de Sarah defender publicamente que a Eucaristia fosse celebrada com o padre virado a leste ("ad orientem").

A divergência do Cardeal Sarah com o Papa tornou-se uma causa de constrangimento, disseram várias autoridades do Vaticano à America. Disseram ter dificuldade em reconciliar suas declarações públicas com seu papel como chefe de uma Congregação que deveria estar ao serviço do papado.


America The Jesuit Review, 22/10/2017. Tradução: Ramón Lara

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