sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?

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Não por acaso, seu samba calou tão fundo e sua repercussão foi tão acachapante.
Brasil, cujo povo está farto, enfarado, revoltado, contrariado com o cinismo, a incúria, a corrupção e a supressão de seus direitos.
Brasil, cujo povo está farto, enfarado, revoltado, contrariado com o cinismo, a incúria, 
a corrupção e a supressão de seus direitos. (Reprodução)
Por Eleonora Santa Rosa*

Canto ecoado pelos quatros cantos do Sambódromo, que se transformou no canto-refrão do país, descantado, humilhado e vilipendiado no básico. Samba da nação em alegoria da vergonhosa escravidão social que persiste na pátria amada, idolatrada, campeã da discriminação velada e/ou escancarada. 

Surpreendente e impressionante Tuiuti, suas alas, sua comissão de frente, com escravos acorrentados em cangas, cuja imagem aterrorizante transforma qualquer palavra em mero adereço. Ponto por ponto mais um ponto, os destaques, os blocos, as fantasias, os carros, a bateria, os integrantes da Escola que ali falavam em nome do Brasil, do Brasil real, do Brasil esgotado, cansado, exaurido. Do Brasil, cujo povo está farto, enfarado, revoltado, contrariado com o cinismo, a incúria, a corrupção e a supressão de seus direitos, de suas conquistas, num jogo de perdas sob perdas.

Não por acaso, seu samba calou tão fundo e sua repercussão foi tão acachapante. Recado dado e bem dado:

Meu Deus! Meu Deus!

Seu eu chorar não leve a mal

Pela luz do candeeiro

Liberte o cativeiro social

Não sou escravo de nenhum senhor

Meu Paraíso é meu bastião

Meu Tuiuti, o quilombo da favela

É sentinela da libertação

E, se alguém não entendeu o tom desse Carnaval, o ‘fecho de ouro’ veio com a Beija-flor de Nilópolis, botando para quebrar, encerrando sem meias palavras e com todas as letras, o enredo da agonia dos filhos abandonados da pátria que os pariu:

Ganância veste terno e gravata

Onde a esperança sucumbiu

Vejo a liberdade aprisionada

Teu livro eu não sei ler, Brasil!

Mas o samba faz essa dor dentro do peito ir embora

Feito um arrastão de alegria e emoção o pranto rola

Meu canto é resistência

No ecoar de um tambor

Vêm ver brilhar

Mais um menino que você abandonou

Oh pátria amada, por onde andarás?

Seus filhos já não aguentam mais!

Você que não soube cuidar

Você que negou o amor

Levanta, Rio de Janeiro, ressoa seu tambor em rede nacional, chacoalha seus chocalhos, tamborins, surdos, repiques, cuícas, caixas, pandeiros agogôs, apitos e tantãs, mostra que o povo não foge à luta e nem à labuta, e que seu mantra de resistência é afinado pelo diapasão de outra escola guerreira, Mangueira:

Vem pode chegar

Que a rua é nossa mas é por direito

Vem vadiar por opção, derrubar esse portão, resgatar nosso respeito

O morro desnudo e sem vaidade

Sambando na cara da sociedade

Levanta o tapete e sacode a poeira

Pois ninguém vai calar a estação primeira.

* Jornalista e produtora cultural.

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