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Não por acaso, seu samba calou tão fundo e sua repercussão foi tão acachapante.
Brasil, cujo povo está farto, enfarado, revoltado, contrariado com o cinismo, a incúria,
a corrupção e a supressão de seus direitos. (Reprodução)
Por Eleonora Santa Rosa*
Canto ecoado pelos quatros cantos do Sambódromo, que se transformou no canto-refrão do país, descantado, humilhado e vilipendiado no básico. Samba da nação em alegoria da vergonhosa escravidão social que persiste na pátria amada, idolatrada, campeã da discriminação velada e/ou escancarada.
Surpreendente e impressionante Tuiuti, suas alas, sua comissão de frente, com escravos acorrentados em cangas, cuja imagem aterrorizante transforma qualquer palavra em mero adereço. Ponto por ponto mais um ponto, os destaques, os blocos, as fantasias, os carros, a bateria, os integrantes da Escola que ali falavam em nome do Brasil, do Brasil real, do Brasil esgotado, cansado, exaurido. Do Brasil, cujo povo está farto, enfarado, revoltado, contrariado com o cinismo, a incúria, a corrupção e a supressão de seus direitos, de suas conquistas, num jogo de perdas sob perdas.
Não por acaso, seu samba calou tão fundo e sua repercussão foi tão acachapante. Recado dado e bem dado:
Meu Deus! Meu Deus!
Seu eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti, o quilombo da favela
É sentinela da libertação
E, se alguém não entendeu o tom desse Carnaval, o ‘fecho de ouro’ veio com a Beija-flor de Nilópolis, botando para quebrar, encerrando sem meias palavras e com todas as letras, o enredo da agonia dos filhos abandonados da pátria que os pariu:
Ganância veste terno e gravata
Onde a esperança sucumbiu
Vejo a liberdade aprisionada
Teu livro eu não sei ler, Brasil!
Mas o samba faz essa dor dentro do peito ir embora
Feito um arrastão de alegria e emoção o pranto rola
Meu canto é resistência
No ecoar de um tambor
Vêm ver brilhar
Mais um menino que você abandonou
Oh pátria amada, por onde andarás?
Seus filhos já não aguentam mais!
Você que não soube cuidar
Você que negou o amor
Levanta, Rio de Janeiro, ressoa seu tambor em rede nacional, chacoalha seus chocalhos, tamborins, surdos, repiques, cuícas, caixas, pandeiros agogôs, apitos e tantãs, mostra que o povo não foge à luta e nem à labuta, e que seu mantra de resistência é afinado pelo diapasão de outra escola guerreira, Mangueira:
Vem pode chegar
Que a rua é nossa mas é por direito
Vem vadiar por opção, derrubar esse portão, resgatar nosso respeito
O morro desnudo e sem vaidade
Sambando na cara da sociedade
Levanta o tapete e sacode a poeira
Pois ninguém vai calar a estação primeira.
* Jornalista e produtora cultural.
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