quinta-feira, 7 de junho de 2018

A Igreja Católica tem um problema com as mulheres?

domtotal.com
O discurso é estrategicamente misógino porque a força das mulheres é capaz de abalar suas estruturas de dominação.
A exclusão das mulheres ao sacramento da ordem expressa a misoginia disfarçada de teologia?
A exclusão das mulheres ao sacramento da ordem expressa a misoginia disfarçada de teologia? (Reprodução/ Pixabay)
Por Élio Gasda*

Jesus mandou excluir! “Cristo quis conferir o sacramento da ordem aos 12 apóstolos, todos homens, que, por sua vez, comunicaram-no a outros homens. A Igreja sempre se reconheceu vinculada a essa decisão do Senhor, que exclui que o sacerdócio ministerial possa ser validamente conferido às mulheres”. Mais uma opinião masculina sobre a mulher. A mais recente, expressa pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé no último dia 30 de maio. A injunção: “Que a mulher aprenda o silêncio” (1Tm 2, 12) aplica-se a esta declaração de Ladaria.

Mais um texto escrito por um homem para falar que a mulher foi considerada indigna pelo próprio Jesus para exercer um ministério em seu Nome. Seria um discípulo de segunda categoria? Porque ela, igualmente batizada, seria menos digna que o homem? A exclusão das mulheres ao sacramento da ordem expressa a misoginia disfarçada de teologia? No contexto social de maior protagonismo da mulher, esperavam-se motivos mais teológicos para esta proibição.

O clericalismo misógino é um problema estrutural de raízes históricas. A mulher aparece no Magistério em terceira pessoa quando se trata da relação delas com o seu corpo sua sexualidade, seu papel na família e na sociedade e na Igreja. A hierarquia é masculina, não as escuta. Homens celibatários querem ensinar as mulheres como ser mulher. Por essas e outras, a Igreja é questionada por seus próprios fiéis.

A edição de 2018 da conferência Voices of Faith (Vozes da Fé), promovida pelo Vaticano, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, teve como tema: Por que as mulheres importam. O evento ocorreu após uma revista católica publicar artigo descrevendo a exploração do trabalho das freiras e a desigualdade de gênero nas instituições eclesiais. Na conferência de imprensa, as mulheres expuseram suas frustrações e anseios em relação ao tratamento que recebem. A Igreja é um dos lugares onde a igualdade de gênero é sistematicamente negligenciada, disseram.

Disse Papa Francisco aos membros do CELAM em 2017: “Da mulher aprendemos a fé; quase com o leite do seu seio, adquirimos os traços da nossa alma mestiça e a imunidade contra qualquer desespero. Penso nas mães indígenas ou morenas, penso nas mulheres das cidades com o seu triplo turno de trabalho, penso nas avós catequistas, penso nas consagradas e nas artesãs tão discretas do bem. Sem as mulheres, a Igreja do Continente perderia a força de renascer continuamente. É uma séria obrigação compreender, respeitar, valorizar e promover a força eclesial e social do que elas fazem. Acompanharam Jesus missionário; não se retiraram do pé da cruz; na solidão, esperaram que a noite da morte devolvesse o Senhor da vida; inundaram o mundo com a sua presença ressuscitada. Se quisermos uma fase nova e vital da fé, não a obteremos sem as mulheres. Que elas sejam protagonistas na Igreja latino-americana”, concluiu. Em Amoris laetitia escreveu: “A grandeza das mulheres implica todos os direitos decorrentes da sua dignidade humana inalienável, mas também do seu gênio feminino, indispensável para a sociedade” (AL, 173).

A questão envolve a vida de toda a Igreja. Não é bandeira feminista. É Evangelho. Trata-se de afirmar a igualdade conferida no Batismo. As teologias feministas são fundamentais para repensar a história da Igreja. A ordenação das mulheres não é uma questão isolada. Ela se inscreve nesse complexo contexto de ideias clericais que dominam toda a Igreja. Temos uma doutrina moral eminentemente focada na perspectiva dos homens, que ignora a palavra das mulheres. É um tema que incomoda os conservadores moralistas. O discurso é estrategicamente misógino porque a força das mulheres é capaz de abalar suas estruturas de dominação. Impedem que esta presença forte e questionadora seja introduzida no cotidiano, nas instituições, na cultura. A presença da mulher escancara a desigualdade de gênero nas relações sociais e nas estruturas de poder, desmascara as “posições oficiais” das instituições.

Elas descobrem que são excluídas, discriminadas ou abusada pela única razão de serem mulheres. A luta pela equidade nas relações sociais e políticas entre homens e mulheres vive um novo apogeu. Na FAJE estudantes criaram, através dos Centros Acadêmicos de Filosofia e Teologia, o Grupo de Estudos “Mulheres e Minorias na Sociedade”. De 06 a 07 de junho o grupo está promovendo o Colóquio Feminismo: “O protagonismo feminino na filosofia e na teologia”. Este grupo emerge como uma “outra voz” no interior de um campo de saber institucional majoritariamente masculino. Voz que resulta da consciência de mulheres na luta diária por reconhecimento de sua identidade feminina. É preciso coragem para dar um basta à retórica ideológica da misoginia. Em todos os ambientes. Sempre houve mulheres que desafiaram as normas e imposições culturais. Que toda as vozes femininas sejam ouvidas.

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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