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A probabilidade de existir vida além da Terra é enorme. Terá a encarnação de Cristo tido um valor de salvação também para os habitantes desses planetas?
O São Francisco do futuro, além do irmão Sol, da irmã Lua ou da irmã morte, poderia falar do 'irmão ET'... (Reprodução/ Pixabay)
Por João Paiva*
A NASA anunciou que foi descoberto no dia 14 de dezembro de 2017 um oitavo exoplaneta no sistema Kepler-90. É o conjunto de planetas mais parecido com o nosso Sistema Solar.
Há investigação científica séria, muito séria, que, de alguma forma, procura vida noutros planetas. O que se busca é a existência de corpos celestes com propriedades semelhantes às da Terra, isto e, com dimensões e distância ao seu Sol com algumas parecenças com este ‘grão de pó’ em que vivemos. É bom termos a noção da nossa pequenez: habitamos um minúsculo esferóide que anda à volta de um Sol. O nosso Sol é uma das cerca de cem mil milhões de estrelas que constituem a nossa galáxia. E no universo (neste universo…) existem cem milhões de galáxias, cada uma com as suas estrelas…
Nem ciência nem religião negam a possibilidade de vida inteligente noutros planetas e, portanto, a existência de extraterrestres (ET).
A ciência, porém, não conseguiu ainda prova de vida fora do planeta Terra. Não há prova científica de seres extraterrestres. Tentam encontrar-se sinais da vida tal qual a conhecemos, em planetas do sistema solar, mas os dados não são conclusivos. Sondas recolheram amostras na Lua e em planetas do nosso sistema, mas nenhum sinal de vida.
Giordano Bruno (1548-1600) pagou com a vida a defesa da tese de existência de outros planetas habitados. Uma tal hipótese parece colidir frontalmente com a concepção cristã do universo, ainda muito dependente do velho paradigma geocêntrico e antropocêntrico. Compreende-se claramente que algumas das crenças mais fundamentais do cristianismo — como o pecado original como fonte de todo o mal, a encarnação e morte de Cristo para «pagar» pela humanidade descendente de Adão e Eva a culpa desse pecado, e a salvação que a sua morte e ressurreição trouxeram à humanidade — parecem enquadrar-se mal num universo com outros seres inteligentes que nada tiveram a ver com o pecado original bíblico. Terá havido em todos os planetas habitados um pecado igualmente original? Terá a encarnação de Cristo tido um valor de salvação também para os habitantes desses planetas? Ou terá Cristo encarnado em cada um deles, assumindo em cada planeta a forma dos seus habitantes?
Para os cristãos, o Verbo de Deus veio a este mundo e habitou entre nós, isto é, na humanidade inteira. Mas os conhecimentos científicos contemporâneos não se centram necessariamente no nosso planeta. Recentes investigações em astronomia têm encontrado planetas distantes com aproximações à sua estrela semelhantes ao nosso. A probabilidade de existir vida além da Terra é enorme e pensar no assunto pode ser relevante.
O diretor do Observatório Astronómico do Vaticano disse: «Como há uma multidão de criaturas sobre a Terra, poderia haver outros seres, mesmo seres inteligentes, criados por Deus. Isso não contradiz a nossa fé, pois não podemos colocar limites à liberdade criadora de Deus.» O seu antecessor pronunciara-se no mesmo sentido, sublinhando a compatibilidade da fé com a existência de outras formas de vida distantes. O S. Francisco do futuro, além do irmão Sol, da irmã Lua ou da irmã morte, poderia falar do «irmão ET»…
Para os católicos, a ação redentora de Cristo atinge a dimensão do cosmos. Não está confinada ao planeta Terra. Por isso, o facto de haver seres inteligentes noutros planetas não põe em causa a atual doutrina da encarnação, nem da redenção. Se se verificar que eles existem, concluímos que foi também para eles que o acontecimento de Jesus Cristo se dirigiu.
A doutrina do pecado original também não sofrerá com a dita hipótese. O pecado original significa a inauguração do mau uso da liberdade que Deus deu ao ser inteligente, com a consequência do mal que a continuidade desse mau uso provoca na história. Se se descobrirem seres inteligentes noutros planetas, dotados de liberdade e com capacidade de a usar bem ou mal, a noção do pecado original, tal como a teologia a formula no momento presente, também se lhes aplica.
A probabilidade da existência de planetas semelhantes à nossa Terra é muito grande. Basta fazer umas contas… O que andamos a fazer (e de uma forma original, com a chamada ciência participada, em que qualquer cidadão pode colaborar com os cientistas) é tentar observar sinais dessa presumível evidência. Mas, na mesma proporção, a probabilidade de entrarmos em contacto com essas formas de vida é, para já, muito reduzida. Limitações espácio-temporais impedem-nos, com os dados e tecnologias que possuímos, de comunicar com entidades tão distantes. O Deus em que acreditamos, porém, supera-nos sempre. Será sempre o Deus Cósmico, nas palavras de Teilhard de Chardin, que ultrapassa a nossa cidade, o nosso país, o nosso continente, o nosso planeta, a nossa religião. O Deus Cristão supera tudo, só não supera o amor, porque Ele mesmo é amor.
*João Carlos de Matos Paiva é casado e pai de três filhos. Professor Associado no Departamento de Química e Bioquímica e membro da Unidade de Ensino das Ciências da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. É agregado em Didática. É coordenador do núcleo de "Cultura Científica, Multimédia e Educação" do Centro de Investigação em Química da Universidade do Porto. É diretor do Doutoramento em Ensino e Divulgação das Ciências. É autor de cerca de 30 livros, uma vintena dos quais são manuais escolares. Coautor ou autor dos livros Porque Pirilampiscam os pirilampos (Gradiva, 2014), Ensino Experimental das Ciências Um Guia para Professores do Ensino Secundário (Editora UP, 2012), Quase poesia quase química (SPQ, 2012), Educação, Ciência e Religião (Gradiva, 2010), Este Gesto de Ser poesia (Sagesse, 2010), Fascínio de ser professor (Texto Editores, 2007) e Sexualidade e Afectos (Plátano, 2002). O seu principal interesse situa-se nas relações da ciência com outras áreas do saber, nomeadamente com poesia, filosofia, religião, divulgação, sociologia e educação. É membro da Comunidade de Vida Cristã (CVX).
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