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Livro é feito para dar prazer, não cansaço.
Escrever com simplicidade não é nada fácil. (Reprodução)
Por Afonso Barroso*
Assim como a maioria das pessoas que gostam de ler, tenho preferência pelos escritores de linguagem simples, acessível. É a simplicidade que torna a leitura atraente. Faz com que fique mais próxima do leitor, em geral tão próxima que não se desgruda dele: amarra-o com um laço capaz de o manter preso ao texto até a última linha. É o que acontece com quem lê Érico Veríssimo, Aníbal Machado, Wander Piroli, os Fernandos Sabino e Fabbrini ou Luiz Vilela, para citar apenas alguns dentre muitos exemplos que me ocorrem neste momento.
Mas escrever com simplicidade não é nada fácil. Alguém (talvez Clarice Lispector, quem sabe até eu mesmo) disse certa vez que dá muito trabalho afugentar a tendência ao rebuscamento, ao pedantismo que costuma rondar a mente do escriba. A dificuldade maior consiste em conseguir ser simples sem prejuízo da qualidade do texto e da narrativa.
Tenho para mim que contar histórias com clareza e graça é a verdadeira arte de escrever. Lembro-me disso a cada uma das minhas tentativas de ler o famoso e endeusado romance Ulysses, do irlandês James Joyce. Vãs tentativas. Chego a me considerar um burro de galocha por não entender, por mais que me esforce, quase nada do que diz o livro traduzido pelo filólogo Antônio Houaiss. Para ilustrar o que digo, transcrevo a seguir o primeiro parágrafo do terceiro capítulo desse romance. Não entendi bulhufas, embora seja um dos menos impenetráveis. Leia. Se entender tudo à primeira leitura, parabéns: você é um gênio. Abro aspas:
“Preliminar ao que mais fosse o senhor Bloom limpou o mais grosso das maravilhas e entregou a Stephen o chapéu e freixestoque e o apoiou para cima no geral a modos samaritanos ortodoxos, do que ele estava muito necessitado. Sua (de Stephen) mente não estava exatamente o que se chama errante mas um quê insegura e a seu expresso desejo de alguma potagem de beber o senhor Bloom, em vista da hora que era e não havendo cerca bombas de água Vartry disponível para suas abluções, menos ainda para fins de beber, topou com um expediente com sugerir, de enfiada, a conveniência do abrigo dos cocheiros, como era chamado, dificilmente uma pedrada distante perto da ponte de Burt, onde eles poderiam topar com alguns bebíveis na forma de leite e soda ou uma mineral”.
Se a gente fizer um esforço homérico, talvez entenda alguma coisa dessa odisseia maluca de quase nove centenas de páginas. Mas penso que não é justo a gente ter que se esforçar tanto pra entender um texto qualquer. Se for preciso, quando se lê, suar como numa sessão de ginástica ou ao subir a pé uma ladeira, melhor deixar pra lá e abrir um capítulo da Bíblia.
Livro é feito para dar prazer, não cansaço.
O fato é que James Joyce queria era mesmo cansar e fazer suar de raiva o leitor. Na verdade, ele não escreveu para leitores normais, como eu e você. Escreveu foi para endoidar a cabeça de professores e críticos literários. Conta-se que ele mesmo confessou isso, sem meias palavras, quando teria afirmado, sadicamente: "I've put in so many enigmas and puzzles that it will keep the professors busy for centuries".
E a coisa assim ficou. Por todos os séculos dos séculos, professores e críticos continuarão mergulhados nessa falcatrua literária, tentando decifrar o enigma da esfinge joyciana. Deus queira que não acabem todos devorados.
*Afonso Barroso é jornalista, redator publicitário e editor.
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