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O objeto da esperança é um mistério que não se pode imaginar a partir da realidade existente. É sempre promessa de algo 'novo'.
Natal é tempo de celebrar a teimosia do Deus-conosco. (Jeswin Thomas by Unsplash)
Por Élio Gasda*
A falta de esperança é um fenômeno social. É preciso, mais que nunca, redescobrir as razões da esperança. É ela que permite suportar as frustrações deste mundo. Como disposição para fazer o bem, a esperança está vinculada à bondade. Toda esperança é contextualizada na história pessoal e coletiva, capaz de mobilizar a sociedade.
Diante do clima de desânimo generalizado, testemunhar a esperança é um desafio. O sentimento de impotência é paralisante. A esperança irrompe para iluminar este horizonte cheio de incerteza e pessimismo. Não podemos esperar sozinhos, mas juntos. “Há um só corpo e um só Espírito, como existe uma só esperança no chamado que recebestes” (Ef 4, 4). É virtude teologal, dom de Deus: “A esperança não nos deixa confundidos porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido” (Rom 5, 5).
O objeto da esperança é um mistério que não se pode imaginar a partir da realidade existente. É sempre promessa de algo ‘novo’. O que há de vir é uma notícia boa! Crer é ter esperança. Afirmá-la é entrar em contradição com a realidade presente. Cristo, nossa esperança, é a contradição radical contra a injustiça, a violência, as discriminações e a intolerância. A fé que se desenvolve em esperança será sempre desassossegada e impaciente. Quem espera em Cristo não se satisfaz com a realidade deste mundo. Essa esperança torna a Igreja inquieta, questionando o que não condiz com a notícia boa do nascimento de Jesus (Lc 2, 10).
A Igreja deposita sua esperança no verdadeiro Messias, não no messias fake ungido por fundamentalistas católicos/evangélicos. Chocante. Não é esse o messias anunciado pelos profetas, que implantaria o direito e guiaria o povo com misericórdia (Bar 5,9); que com retidão julga os necessitados e com justiça toma decisões em favor dos pobres (Is 11, 4). Não é o Messias príncipe da paz, que convoca os povos “a fazer de suas espadas arados e de suas lanças foices. Porque uma nação não mais pegará em armas para atacar outra nação, elas jamais tornarão a preparar-se para a guerra” (Is 2,4). Muitos cristãos depositam sua esperança em um messias pintado para a guerra que quer seu povo armado até os dentes. Mortes aos inimigos! Depositar a confiança em falsos messias é descreditar da novidade do Natal. Que a falsa esperança propagada por esta fé adulterada não nos faça sucumbir.
Sem esperança em Cristo a fé autêntica morre e o Natal se torna um faz de conta. De semblante piedoso, muitos disfarçam seu egoísmo e hipocrisia distribuindo esmolas, cestas de alimentos e brinquedos baratinhos para as coitadinhas das crianças da favela. O mercado agradece. Os poderosos batem palmas.
A esperança cristã é Jesus. Cristãos são perseguidos sempre que mantêm viva a verdadeira esperança no Messias que irrompe no Natal. “Alegrai-vos! O Senhor está próximo. Seja conhecida de todos a vossa bondade” (Flp 4, 4-5). O amor é a prova da esperança do cristão. Só o amor aproxima de Deus. É inútil esperar que Deus venha em meu socorro se eu não socorrer meu próximo. Quem está ocupado em amar não fica à espera de milagres. E quem espera amando não se conforma com a realidade. Mas luta por um mundo que acredita.
Enquanto houver pobres não temos o direito de perder a esperança. Que a esperança dos migrantes e refugiados, dos povos indígenas, dos desempregados, dos discriminados, das mulheres maltratadas, dos moradores de rua, dos LGBTs, dos sem-teto e dos sem-terra, das crianças esquecidas, seja também a nossa. Quem está longe dos pobres está longe de Cristo.
Pode haver esperança cristã que não seja a dos pobres? O tempo do Natal recorda que Deus é o Deus dos pobres. E nesse Deus devemos depositar a esperança. Jesus não se encarnou em qualquer mundo, mas no dos pobres. Não assumiu qualquer causa senão a causa dos pobres. Não teve qualquer destino, mas o destino dos pobres. Por isso, “a esperança não é virtude para pessoas com o estômago cheio. Os pobres são os primeiros portadores da esperança, como José e Maria e os pastores de Belém. Enquanto o mundo dormia recostado nas tantas certezas, os humildes preparavam no silêncio a revolução da bondade. Eram pobres de tudo, mas eram ricos do bem mais precioso que existe no mundo: o desejo de mudança” (Papa Francisco).
Natal é tempo de celebrar a teimosia do Deus-conosco. O nascimento de Jesus é sinal de esperança de subverter a ordem estabelecida. Natal é resistência diante dos sistemas autoritários de exclusão. Resistência à cultura do ódio, à política da pistola. A esperança é profética. Exige romper com conservadorismos e fundamentalismos. Profetas surgem em momentos de crise, de intolerância e perseguição. Que o cristão esteja preparado a dar a razão da sua esperança a todos que pedirem (cf. 1Pd 3,15). Quais seriam as razões da tua esperança nestes tempos assustadores?
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).
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