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Acho os negros bonitos e amáveis, ao contrário de muitos que os desprezam e os consideram uma sub-raça.
Tudo isso explica minha branca negritude (Pixabay)
Por Afonso Barroso*
Antigamente, negros eram chamados de “pessoas de cor”, o que era uma ofensa não a eles, mas a nós, os brancos. Sim, pois dava a entender que o branco era incolor. E, por extensão, inodoro, insípido, sensabor, o que equivale a dizer insignificante. Taí um bom motivo pra gente não imprimir rótulos em gêneros ou raças. Deixemos os rótulos para as embalagens.
Eu, particularmente, tenho grande admiração pelos negros. Um pouco, ou talvez muito, por ter convivido com maravilhosos negros desde a minha infância. Negros amigos de verdade. Frequentava nossa casa uma mulatona muito bonita, vistosa e de sorriso farto, chamada Guilhermina. Nos meus quatro ou cinco anos, eu a chamava da Guinina. Praticamente morava conosco, mas não era empregada. Era da família. Ajudava minha mãe a fazer tudo na casa e, principalmente, cuidar das crianças. Podia sair quando quisesse, o que era facultado às vezes até a nós, os pirralhos. Tenho muitas saudades da Guinina.
Outra figura negra de boas lembranças que tenho era um negão chamado Zé do Servino. Homenzarrão da melhor espécie e qualidade. Tinha o porte de um deus de ébano. Quase dois metros de altura, ostentava músculos e força descomunais. Era uma espécie de capataz na fazenda do meu pai. Pegava touro à unha, se preciso fosse. Sujeito de uma bondade enorme que nem ele próprio, meu pai o tinha como um dos seus amigos mais diletos.
Também me lembro muito da inspetora escolar nas Escolas Reunidas de São José do Jacuri, a negra Mestra Iraci. (Nunca entendi por que o grupo escolar do distrito era chamado de Escolas Reunidas, mas isso é pra ficar entre parênteses). De uma severidade extraclasse, Mestra Iraci trazia sempre à mão uma ameaçadora varinha de marmelo. Tão competente quanto severa, ela metia medo nos alunos quando passava para sua inspeção periódica em cada sala. Usava óculos tipo pincenê. As professoras a respeitavam, e muito. Pareciam também ter medo da varinha de marmelo. Era pomposo o nome dela: Iraci Iraídes da Conceição Veloso
Negros do meu convívio no jornalismo foram o José Carlos Alexandre, figuraça, sindicalista de alto nível, e o JD Vital, profissional respeitadíssimo e durante décadas assessor de imprensa da CBMM. É especialista em papas, os que calçam as sandálias do pescador. Ambos são exímios escritores. Cito à parte Antônio Melane, o Pelé, que pulou de boy a repórter esportivo e excelente cronista. Fez sua carreira no Estado de Minas, onde começou a trabalhar como boy do editor Cyro Siqueira.
E não posso me esquecer da namorada “de cor” que tive quando ainda foca no Diário da Tarde. Se houvesse marfim preto, diria que era uma mulata de beleza ebúrnea. Levava-a ao cinema só para mostrá-la ao distinto público jovem.
Gostava de passar com ela pelas ruas para ver a inveja estampada no rosto de outros rapazes quando a viam desfilar de minissaia comigo a tiracolo. Chamava-se Marlene. Tão bonita que acabou sendo aliciada pelo mercado negro (!) de mulatas que eram buscadas no Brasil para estágio sexual na Europa.
Tudo isso explica minha branca negritude. Acho os negros bonitos e amáveis, ao contrário de muitos que os desprezam e os consideram uma sub-raça. Sub-raça são eles, os desprezíveis racistas e negrofóbicos.
Por falar em negritude, vou neste exato momento reler o conto-novela O Alienista. de Machado de Assis, o maior romancista e contista brasileiro, fabuloso representante da nossa literatura negra
*Afonso Barroso é jornalista, redator publicitário e editor.
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