quinta-feira, 16 de maio de 2019

História não contada do rei da Noscualha


Bananais imensos estendiam-se por quase toda a republiqueta, ocupando centenas de gronzas, que é como lá se chamavam as milhas ou quilômetros de hoje.


A honraria mais importante, e por isso mais cobiçada, era a Grande Medalha da Banana Dourada.
A honraria mais importante, e por isso mais cobiçada, era a Grande Medalha da Banana Dourada. (Pixabay)
Por Afonso Barroso*
De certo por um lapso de memória, a História não registra a existência de uma república bananeira, já extinta, de nome Noscualha. Ocupava uma península à margem de em algum dos sete mares e foi próspera por longos anos. Localizava-se ao Norte da Bostualha e próxima ao condado de Cornualha.
(Anote-se que o nome Cornualha foi tempos depois usurpado pela França e posteriormente pela Inglaterra, para batizar um condado do Reino Unido, perto do Canal da Mancha).
Noscualha (ou Nuscualha, não há consenso sobre a denominação correta) era uma republiqueta rica em bananas. Bananais imensos estendiam-se por quase toda a republiqueta, ocupando centenas de gronzas, que é como lá se chamavam as milhas ou quilômetros de hoje. Toneladas de bananas eram exportadas em grandes comboios puxados a escravos para os países vizinhos e até distantes, gerando gordas divisas.
São várias as influências que a Noscualha (ou Nuscualha) exerceu sobre o mundo da época. A mais notável foi uma Constituição que serviu de modelo para outras nações. A modelar Carta Magna nuscualheira (ou noscualheira) instituía, entre outras novidades consideradas exemplares, a concessão de medalhas de honra a pessoas “de alta relevância e patriotismo que tenham prestado serviços inestimáveis à grandeza da pátria”.
A honraria mais importante, e por isso mais cobiçada, era a Grande Medalha da Banana Dourada. Mas havia outras condecorações, menos relevantes, a serem concedidas a pessoas também menos relevantes, como a Cruz de Prata da Noscualha, a Medalha do Mérito Noscualheiro, a Cruz Noscualha da Independência e até a Medalha de Honra Noscualha da Culinária.
Salientava-se, na Lei das Medalhas, uma exigência que devia ser cumprida rigorosamente. Não se podia condecorar alguma personalidade sem uma justificativa convincente. Era preciso esclarecer que tal medalha seria concedida por tais e tais razões, com detalhamento dos serviços prestados à nação pela personalidade a ser homenageada. Sem essas explicações públicas, nada feito.
Acontece que, como toda república bananeira, a Noscualha se viu em certo momento mergulhada numa ditadura. Embora democraticamente eleito, o dirigente máximo da pequena nação tinha um viés despótico, coisa de família mesmo, que ele decidiu pôr em prática assim que se viu investido do poder.
E declarou-se presidente vitalício, à moda de outras nações vizinhas. Um reizinho sem coroa.
Como era inculto e inconsequente, desandou a externar ideias esdrúxulas, mal pensadas, mal formuladas e ditatorialmente executadas. Chegou a convencer grande parte da população, mas havia uma parte crescente que não concordava com suas atitudes. A nação se espantava, o povo se revoltava, as forças armadas se assanhavam, os jovens protestavam, e até os conservadores se mostravam estupefatos com as manifestações do dirigente e especialmente dos seus filhos, que se julgavam tão poderosos como o pai.
O resultado foi que o ditador caiu em desgraça e despencou da curul. A gota d’água foi a condecoração que cismou de atribuir a um velho amigo e conselheiro, um falso filósofo e profeta da discórdia que exercia grande influência sobre a família real. Esse amigo da Corte era um sujeito mal-encarado e completamente desprovido de pudor ou educação e que se autoproclamava filósofo. Usava as redes sociais para difundir maldades, sempre com o uso de palavrões que ruborizavam até as donas de bordéis.
(Aqui, uma explicação necessária: redes sociais, naquele tempo, eram panfletos pregados nos pés de banana. Os bananais eram o mais eficaz, na verdade o único meio de comunicação na pátria embananada).
Acontece que a exposição de motivos para concessão da Grande Medalha da Banana Dourada ao indivíduo dizia, na maior cara de pau, que o tal filósofo havia prestado relevantes serviços à família, mas não à família noscualhense, como devia ser, e sim à família dele, o ditador. A família noscualhense, por sua vez, se indignou, saiu às ruas num levante sem precedentes e, com o apoio dos quartéis, promoveu sua derrubada.
O que sucedeu depois está certamente registrado nos anais da Nuscualha (ou Noscualha). Só que, infelizmente, os anais se perderam com o desaparecimento misterioso da península, que virou ilha e foi engolida pelas procelas do oceano revolto.
*Afonso Barroso é jornalista, redator publicitário e editor

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