O interesse da Igreja pela proteção do meio ambiente é uma extensão da eucaristia 'em todas as dimensões de sua relação com o mundo', disse o patriarca ortodoxo Bartolomeu.
O patriarca Bartolomeu no Amazonas, em 2006, durante o simpósio Reliigão, Ciência, Ambiente, dedicado à região amazônica e ao tema da 'água, fonte de vida'. (© RSE)
O patriarca Bartolomeu, de Constantinopla, defende que os cristãos são “obrigados a assumir medidas maiores para a aplicação das consequências ecológicas e sociais” da sua fé. Numa encíclica sobre a questão ecológica, publicada no domingo retrasado, 1º de setembro, o líder espiritual dos cristãos ortodoxos escreve que é “vital” que as estruturas cristãs “promovam iniciativas e atividades para a proteção do meio ambiente, mas também programas de educação ecológica”.
Neste documento de três páginas, o “patriarca verde” dirige-se não só aos ortodoxos, mas também a outros cristãos, representantes de diferentes religiões, líderes políticos, ambientalistas e cientistas sobre a necessidade de “compreender as causas e oferecer respostas adequadas à crise ecológica.”
Bartolomeu manifesta “preocupação com a crise ecológica e com as dimensões e consequências globais do pecado – dessa alienante ‘inversão de valores’ no interior da humanidade – (que) trouxe à tona a conexão entre questões ecológicas e sociais, bem como a necessidade de abordá-las em conjunto.” E acrescenta, sobre uma das tarefas que os cristãos – e a Igreja Ortodoxa, em particular – devem desenvolver, que se deve dar uma “atenção especial à formação cristã” da juventude, “para que ela possa trabalhar como uma área de cultivo e desenvolvimento de um ethos ecológico e solidário”.
O patriarca, cujos textos e pronunciamentos sobre a questão ecológica, são várias vezes citados na encíclica Laudato si’, do papa Francisco, defende a necessidade da proteção da “Casa Comum”, ou seja a salvaguarda e proteção dos ecossistemas da Terra, afirmando que mobilizar “forças para a proteção da integridade da criação e para a justiça social são ações interconectadas e inseparáveis.”
O interesse do Patriarcado Ecumênico pela proteção da criação não surgiu como reação ou em resultado da crise ecológica contemporânea. Esta foi simplesmente a motivação e a ocasião para a Igreja Ortodoxa expressar, desenvolver, proclamar e promover os seus princípios ambientalmente amigáveis, justifica.
Para o patriarca, a “crise ecológica revela que o nosso mundo compreende um todo integral, que os nossos problemas são globais e compartilhados”. E acrescenta, numa crítica implícita ao ceticismo de líderes políticos e cidadãos: “É inconcebível que a humanidade, mesmo reconhecendo a gravidade do problema, continue a comportar-se como se ele não existisse.” Não pode haver progresso genuíno, afirma, “quando a criação ‘muito boa’ e a pessoa humana feitas à imagem e semelhança de Deus sofrem.”
Bartolomeu justifica ainda o interesse da teologia cristã pela questão ecológica como fazendo parte da “identidade” da Igreja: “Respeitar e cuidar da criação são uma dimensão da nossa fé, o conteúdo da nossa vida na Igreja e como Igreja.” O interesse da Igreja pela proteção do meio ambiente é uma extensão da eucaristia “em todas as dimensões de sua relação com o mundo”, acrescenta no texto, cuja versão integral portuguesa pode ser lida aqui.
Comentando esta última observação, um colunista do jornal brasileiro Gazeta do Povo afirma que o patriarca faz “uma leitura sobre a eucaristia que não estamos muito acostumados a fazer, mas que está no cerne da teologia eucarística.”
O “patriarca verde”
Bartolomeu no Amazonas, em 2006: a ideia dos simpósios era criar uma rede “entre os mundos da religião, ciência e ambiente, com o interesse de proteger o ambiente.” © RSE
Apelidado por vezes de “patriarca verde”, esta não é a primeira vez que o primus inter pares (primeiro entre iguais) dos líderes ortodoxos expressa a sua paixão e preocupação pela defesa do meio ambiente. Durante vários anos, o patriarca dinamizou e apoiou a realização dos simpósios "Religião, ciência e ambiente" (RSE, da sigla em inglês), que juntavam cientistas, teólogos, responsáveis religiosos e ambientalistas.
Em 2006, no simpósio realizado em Manaus e na região amazônica, o patriarca foi também visitar, com os participantes, o Parque Nacional do Jaú, onde experimentou o fogo e o cheiro perfumado da resina das árvores. Como contava na altura o jornalista António Marujo numa reportagem da revista dominical do Público, o patriarca comentou que “tudo o que o macaco come, as pessoas podem comer na floresta”.
Nesse simpósio, Bartolomeu participou numa “bênção das águas” no sítio exato, diante de Manaus, onde se juntam os rios Negro e Solimões, dando origem ao Amazonas: “Abençoando as águas do grande Amazonas, proclamamos a nossa convicção de que a proteção ambiental é um problema moral e espiritual que diz respeito a todos. (…) Persistir no atual caminho de destruição ecológica não é apenas uma loucura. É um pecado contra Deus e a criação”, disse ele na cerimônia.
Na página oficial dos simpósios RSE, podem ver-se os documentos das diferentes iniciativas, desde o primeiro em 1995 no Mar Egeu (Grécia) até ao último em 2009 no Rio Mississippi (Estados Unidos). Sendo uma organização não governamental, criada em 1993, o objetivo da RSE e dos seus simpósios era criar uma “reunião entre os mundos da religião, ciência e ambiente, com o interesse de proteger o ambiente.”
Desde que é patriarca de Constantinopla, em 1991, Bartolomeu tem sido umas das vozes mais ativas na defesa do meio ambiente, da preservação dos ecossistemas e do diálogo entre crenças, religiões e poderes de todo o mundo. Ainda na semana passada, a propósito dos recentes incêndios da Amazônia, afirmara que as “árvores não são valiosas apenas na sua beleza estética ou no seu benefício comercial, mas essencialmente para a nossa defesa contra as mudanças climáticas”.
Publicado originalmente em 7 Margens.
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