sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Vem aí um novo cisma?

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Após recente afirmação de Francisco, podemos já falar de uma expressiva divisão entre os católicos?
Papa Francisco conversa com jornalistas durante voo após sua recente viagem à África.
Papa Francisco conversa com jornalistas durante voo após sua recente viagem à África. (Alessandra Pool/ Pool via Reuters)
Por Mirticeli Medeiros*

Aqueles que veem coisas negativas em tudo aquilo que papa Francisco faz é dotado daquela famosa desonestidade intelectual que todos nós condenamos. Ao retornar de sua última viagem internacional à África, nesta semana, o pontífice deu um tapa na cara de quem se considera um profundo conhecedor do magistério dos últimos papas.

Ao dizer que segue a linha de João Paulo II no tocante às questões sociais – o que não é mentira – Francisco calou aqueles que, desde 2013, insistem em antagonizar o magistério dos últimos papas. E o pior: sem nenhum conhecimento de causa. Basta ver a obsessão de associar a figura de Bento XVI somente à liturgia ou de reduzir Francisco ao ambientalismo.

O que diferencia Francisco dos demais papas, em termos de magistério, é sua capacidade de tocar as feridas da sociedade através uma comunicação fluida e acessível. É inadmissível, para alguns, que o papa assuma essa postura de pároco, adotada por Francisco. É como se a doutrina, imutável na essência, não pudesse dialogar com o homem moderno. É como se o cristianismo fosse apenas uma sequência de deveres e rubricas a serem seguidas religiosamente, não o encontro com a divindade.

Como é possível enquadrar o ser humano como personagem ou protagonista de um documento magisterial se não o conhecemos, se não estamos cientes das suas feridas, se não sabemos quais os seus anseios? A doutrina não muda, mas o modo de transmiti-la, sim, deve mudar. Ainda bem que João XXIII, na década de 1960, abriu as portas para essa mudança de mentalidade.

O cisma

Da mesma forma, não podemos negar que o pontificado atual já provocou um cisma. E não sejamos ingênuos: quem está por trás desse complô, travestido de “uma reação por amor à Igreja”, espera ver, na sé de Pedro, alguém que se alinhe às suas paixões políticas. Como eu disse uma vez numa rede social: os americanos já têm o papa deles e esperam, ansiosos, pelo próximo conclave. Basta estudar um pouquinho de geopolítica para contemplarmos, estupefatos, o retorno de constantinismo, ou seja, do modelo segundo o qual a fé se submete às manobras políticas.

Quem provocou complôs e cismas na história da Igreja nunca teve uma boa intenção. Um exemplo disso foi o grande cisma do Ocidente, no século 14. Com modalidades diferentes, os desertores também queria o próprio papa, tornando-se os responsáveis pela maior crise da história da Igreja Latina. Eles colocaram em xeque a autoridade do papa e fizeram com o que os cristãos disputassem, entre si, quem seria o melhor para ocupar o cargo. Por trás de tudo isso estava uma grande disputa de interesses entre a Coroa francesa e Roma. Qualquer semelhança é mera coincidência?

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.

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