A preocupação europeia com a Amazônia pode ser legítima, mas o silêncio sobre as queimadas na África revelam sua miopia.
Foto aérea mostra fumaça em trecho de 2 km de extensão de floresta, a 65 km de Porto Velho, em Rondônia, em 23 de agosto de 2019. (Carl de Souza/AFP)
Por Vitor Vinicios da Silva, ofm*
Assistimos uma guerra verbal entre líderes políticos que deveriam, pelo bom-senso e posição que ocupam, se resguardarem do espetáculo e se aterem às questões que de fato importam, não apenas às nações envolvidas, mas a toda a comunidade humana e não-humana. Devem se ocupar com o aumento do desemprego, com o alto índice de queimadas e outras várias questões que consomem, principalmente, os mais pobres desses países. O vazio do espetáculo é tão grande que perdem tempo com o emprego de termos como, por exemplo, “bem comum”, na ideia que estão se apropriando ou ferindo a soberania nacional e, no fim, o que deve de fato ser sanado fica à margem do debate.
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Se há um interesse ou oportunismo frente às queimadas que estão ocorrendo, que se resolva de maneira categórica. Ou seja, deixe claro o posicionamento da nação que foi “ofendida” e que não fique numa troca infantil de ofensas. Mesmo porque a soberania nacional sobre a Amazônia está resguardada e definida no artigo 225 da Constituição Federal Brasileira da parte territorial que compete ao país. Cair nesse discurso pode impedir um trabalho cooperado entre os países, sejam eles os detentores do território da floresta amazônica e até mesmo outros que se mostram preocupados com o que vem acontecendo. O que não pode ocorrer é que essas questões se sobreponham ao real problema.
Por um outro lado, há um comportamento idiossincrático a nível internacional, ou seja, não há uma igual reação da comunidade internacional na questão que tange o desmatamento e as queimadas. Vemos, no momento, que o grande alarde midiático está nas queimadas que vêm ocorrendo na floresta amazônica, contudo, não é aí que está o maior índice de queimadas, mas, sim, no continente Africano: Angola e no Sul da República Democrática do Congo.
Segundo o artigo de Naranjo, no periódico El País, imagens de satélite difundidas pela NASA, no dia 25 de agosto do ano corrente, e analisada por Weather Source revelam que na África Central há mais incêndios que no Brasil. É claro que demonstra também que as origens das queimadas não são semelhantes, pois as que ocorrem nesses lugares são práticas ligadas a técnicas agrícolas tradicionais. Pratica-se queimadas na ideia de favorecer a caça, de limpar terras para o cultivo, controlar as pragas e demais compreensões, como nos alerta no seu artigo.
Em comparação, mostra que segundo as imagens difundidas pelo satélite, há 10 mil focos de incêndios ativos na África frente a 2.902 de países sul-americanos (Brasil e Bolívia). É claro que não podemos igualar as riquezas que temos numa floresta tropical como a Amazônia em relação a outras florestas, como a taiga ou a temperada. Sabemos que uma floresta tropical armazena muito mais dióxido de carbono por hectares do que outros tipos (282,5 tc/ha). Contudo, isso não pode ser desculpa para se preocupar tanto com a Amazônia em descaso com as demais regiões, o que seria um tanto quanto incoerente com o discurso de preservação ambiental. Lembrando também que a floresta do Congo é do tipo tropical e equatorial, sendo a segunda maior do mundo, ficando atrás somente da floresta Amazônica.
Nessa mera observação global, buscando ser neutro – por mais que haja muitas objeções em relação a esse princípio –, vejo com isso, mais uma vez, o racismo se escondendo nas entrelinhas estruturais. Esse tabu é alimentado de várias formas e com várias roupagens que nesse panorama se faz por meio dos veículos de comunicação. Se retornarmos aos noticiários, não veremos muitos artigos referindo sobre o anúncio feito no G7, pelo presidente da França, Macron, da possibilidade de desbloquear fundos para o combate também no continente africano. Num artigo excepcional escrito por Afua Hirsch no site do jornal The Guardian, chamado “Racist African stereotypes are as prevalente as ever on TV” , a autora nos mostra um raio-x de uma prática que naturalizamos, ou seja, a ideia de que “os africanos não são totalmente humanos – na imaginação ocidental”.
O artigo apresenta a tese de que a mídia é tanto sintoma quanto a causa de tal ideia. Segundo sua constatação, em “seis países europeus, a África representava apenas 4% da cobertura de notícias estrangeiras, em comparação com 76% da cobertura focada na Europa ou na América do Norte". Sem contar que os termos mais comuns usados em relação à África foram "instabilidade social e política", "violência", "morte", "corrupção" e "pobreza".
Com isso, constatamos mais uma vez o velho discurso e a prática que já estamos acostumados. No entanto, que busquemos como exercício cotidiano expurgar de nossas mentes as ideias prejudiciais sobre pessoas negras e, acrescento, de países negros que estão profundamente no subconsciente de muitos. Assim, apenas assim, iremos começar a fazer e a ter políticas igualitárias e que nos levarão a uma prática e não a um discurso do “bem comum”.
*Frei Vitor Vinicios da Silva, ofm é professor de Filosofia e livre pesquisador na área de Antropologia Filosófica.
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