domingo, 22 de dezembro de 2019

Não necessitamos de Deus entre nós?

domtotal.com
Reflexão sobre o 4º Domingo do Advento - Mateus 1,18-24
O que realmente pode estar por trás das festas tão deterioradas pelos interesses consumistas e por nossa própria mediocridade
O que realmente pode estar por trás das festas tão deterioradas pelos interesses consumistas e por nossa própria mediocridade (Sung Jin Cho/ Unsplash)
José Antonio Pagola*
Religión Digital

Há uma pergunta que todos os anos me ronda desde que começo a observar nas ruas os preparativos que anunciam a proximidade do Natal: que pode haver ainda de verdade no fundo destas festas tão estragadas pelos interesses consumistas e pela nossa própria mediocridade?

Não sou o único. Ouço muitas pessoas falarem da superficialidade do Natal, da perda do seu caráter familiar e caseiro, da vergonhosa manipulação dos símbolos religiosos e de tantos excessos e despropósitos que deterioram hoje o Natal.

Mas, em minha opinião, o problema é mais profundo. Como pode celebrar o mistério de um “Deus feito homem” uma sociedade que vive praticamente de costas para Deus e que destrói de tantas formas a dignidade do ser humano?

Como pode celebrar o “nascimento de Deus” uma sociedade em que o famoso professor francês G. Lipovetsky, ao descrever a atual indiferença, foi capaz de dizer estas palavras: “Deus morreu, os grandes objetivos extinguem-se, mas para todo o mundo é igual, esta é a feliz notícia”?

Aparentemente, são muitas as pessoas para quem é exatamente igual acreditar ou não acreditar, ouvir que “Deus está morto” ou que “Deus nasceu”. Sua vida continua funcionando como de costume. Não parecem necessitar já de Deus.

E, no entanto, a história contemporânea já nos está obrigando a colocar algumas questões sérias. Algum tempo atrás, falava-se “da morte de Deus”; hoje se fala “da morte do homem”. Há alguns anos se proclamava “o desaparecimento de Deus”; hoje se anuncia “o desaparecimento do homem”. Não será que a morte de Deus traga consigo inevitavelmente a morte do homem?

Expulso Deus das nossas vidas, encerrados num mundo criado por nós mesmos e que reflete apenas as nossas próprias contradições e misérias, quem nos pode dizer quem somos e o que realmente queremos?

Não precisaremos que Deus nasça novamente entre nós, que brote com luz nova nas nossas consciências, que abra caminho no meio de nossos conflitos e contradições? Para nos encontrarmos com esse Deus, não devemos ir muito longe. Basta aproximar-nos silenciosamente de nós mesmos. Basta mergulharmos nas nossas interrogações e desejos mais profundos.

Esta é a mensagem do Natal: Deus está perto de ti, onde tu estás, com tal que te abras ao seu Mistério. O Deus inacessível fez-se humano e a sua proximidade misteriosa envolve-nos. Em cada um de nós, pode nascer Deus.


Publicado por Religión Digital e traduzido pelo IHU.

*José António Pagola é padre e tem dedicado a sua vida aos estudos bíblicos, nomeadamente à investigação sobre o Jesus histórico. Nascido em 1937, é licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma (1962), licenciado em Sagradas Escrituras pelo Instituto Bíblico de Roma (1965), e diplomado em Ciências Bíblicas pela École Biblique de Jerusalém (1966). Professor no seminário de San Sebastián (Espanha) e na Faculdade de Teologia do Norte de Espanha (sede de Vitória), foi também reitor do seminário diocesano de San Sebastián e vigário-geral da diocese de San Sebastián.

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