quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O papa Francisco está renovando a Igreja?

A preocupação fundamental de Bergoglio não é uma preocupação religiosa, mas uma preocupação humana.

Por José María Castillo 

Tenho a impressão de há pessoas que nem se fazem esta pergunta. Assim como também há aquelas que nunca se interessaram pelas coisas da Igreja e da religião, mas que agora se perguntam pelo que faz e diz o novo papa. Em todo o caso, me parece que a questão, e que este artigo pretende levantar, é um assunto que não chama a atenção de uma grande maioria da nossa sociedade em seu conjunto.  O que, no meu modo de ver as coisas, é a prova mais clara da resposta que vou propor à pergunta que serve de título a este artigo. Me explico.

É uma realidade que o novo bispo de Roma, o jesuíta Jorge Bergoglio, encarna um modelo de papa muito diferente de seus antecessores. Trata-se de um homem que tem um comportamento mais simples, mais espontâneo, mais humano, mais livre que o dos últimos papas, inclusive João XXIII. Mas, tão certo como o que acabo de dizer, também é verdade que são muitos os cidadãos que pensam que só com simplicidade, espontaneidade, humanidade e liberdade não se solucionam os problemas que a Igreja tem neste momento. Além da forma de ser, de falar ou de comportar-se do papa que governa, parece evidente que é necessário, inclusive urgente, que o papa governante tome as decisões que as pessoas mais pedem e necessitam. 

Acontece que, enquanto enfrentamos esta questão de fundo, nos encontramos com um problema que, à primeira vista ao menos, é de difícil solução. Porque, do jeito como estão as coisas na Igreja nesse momento, os católicos estão tão divididos e, às vezes, tão em disputa entre si que nem todos esperam e desejam a mesma resposta do Papa às questões que o bispo de Roma teria que resolver. Pela simples razão de que, em assuntos de religião, as posições de uns e outros são tão distintas, tão opostas e até tão incompatíveis, que o modelo de Igreja, que uns veem como solução, para outros é um problema que não estão dispostos a aceitar. Basta pensar em assuntos como a organização transparente e exemplar da Cúria vaticana, a ordenação sacerdotal de mulheres, o celibato dos sacerdotes, o casamento dos homossexuais, o Vaticano como Estado, a existência e os poderes dos cardeais, a nomeação dos bispos, os poderes e participação das Conferências Episcopais no governo da Igreja, os conflitos do IOR (o Banco do Vaticano), a organização da Cúria. E um longo etcetera que não teria fim. Que solução pode o papa – ou qualquer outro papa – dar a estes problemas (e a tantos outros similares a estes), de forma que seja solução para todos? 

O que até agora vimos que, claramente, preocupa o Papa Francisco não é nem sua autoridade, nem sua doutrina, nem sua imagem pública, nem quem ocupa os cargos na Cúria vaticana, nem pronunciar seus discursos brilhantes, nem o bom nome dos “homens da Igreja”, nem os eternos problemas da moral sexual pregada pelo clero (exceto no grave crime de muitos clérigos no que diz respeito aos abusos sexuais de menores), nem em potencializar os dogmas da teologia ou da liturgia dos sacramentos... O Papa Bergoglio foi diretamente ao mais grave do que agora mesmo está acontecendo no mundo: o sofrimento dos pobres já é muito grande e muito insuportável. Por isso, a preocupação primeira da Igreja tem que ser a fome, a saúde e a dor dos deserdados da terra. Isto, sem dúvida alguma, é o mais grave que, na opinião do atual bispo de Roma, está acontecendo no mundo. E por este problema, quer o Papa Bergoglio que todos se preocupem antes com isso do que com qualquer outra coisa. 

Pois bem, isto quer dizer, antes de mais nada, que a preocupação fundamental deste papa não é uma preocupação religiosa, mas uma preocupação humana. Porque o sofrimento dos pobres não é um problema especificamente religioso, mas simplesmente um problema humano. Um problema que afeta a todos os que passam necessidades, quer sejam ou não crentes. E independentemente da crença que tiverem. Neste assunto, o Papa Francisco não fez senão retomar o Evangelho. Eu convido a quantos lerem e relerem este artigo, que tomem o Evangelho na mão. E verão, na sequência, que o tema obsessivo de Jesus foi o sofrimento dos doentes, dos pobres, dos desprezados, porque eram pecadores ou publicanos ou mulheres desprezadas (pelo motivo que fosse). 

Jesus se preocupou com a religião? Jesus falou muito de Deus, do Pai do Céu, que colocou como exemplo não de poder, mas de bondade. E fez isto de forma que, para deixar clara e patente a sua obsessiva preocupação com o sofrimento dos mais desgraçados, entrasse em conflito com a religião, com os observantes religiosos (escribas e fariseus), com os sacerdotes e senadores, com o Templo e seus responsáveis, com as normas religiosas. Até que, por levar sua preocupação até o extremo, assegurando que Deus estava do seu lado (era seu Pai), acabou pregado na cruz como um subversivo. E desprezado como um blasfemo. 

No fundo, o que isto nos quer dizer? Que Dietrich Bonhoeffer tinha toda a razão do mundo quando, em 30 de abril de 1944, escreveu na prisão de Tegel, pouco antes de ser assassinado pelos nazistas: “Nos encaminhamos para uma época totalmente anti-religiosa. Simplesmente, os homens, tal como de fato são, já não podem seguir sendo religiosos. Inclusive aqueles que sinceramente se qualificam como “religiosos”, não colocam isto em prática de modo algum. Sem dúvida, com a palavra “religioso” referem-se a algo muito diferente”. 

A história, os fatos que estamos vivendo, está dando razão a Bonhoeffer. Porque estamos palpando que o próprio Evangelho, assim como a incessante preocupação do Papa Francisco, coincidem com a dura pergunta que se fazia aquele pastor luterano às vésperas da sua morte: “Não constituem a justiça e o Reino de Deus na terra o núcleo de tudo?”. O discurso do Papa Francisco em Lampedusa, aos mais desamparados deste mundo, traça o caminho que este Papa viu, à luz do Evangelho, que deve ser seguido. É possível ser mais claro? E se não vemos as coisas dessa maneira, não será porque seguimos acreditando mais na religião do que no Evangelho? Será que não continuamos presos à situação que tanto criticamos, à “pré-modernidade” de há mais de 200 anos?
Teología sin Censura, 11-09-2013.

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