Ela deixou de ser "santa" e idealiza e entrou na dança do vulgar pragmatismo nosso de cada dia.
Marina Silva: tom político messiânico veio abaixo.
Por Reinaldo Lobo*
Os admiradores de Marina Silva estão desiludidos. Não só pela perda do registro de sua Rede Sustentabilidade. Ficaram um pouco revoltados com o TSE, chegaram a formular teorias conspiratórias sobre o que teria "influenciado os juízes". Mas a maior decepção foi com a própria Marina.
Seu partido era meio improvisado, não houve competência para avaliar os riscos legais e nem para administrar o processo de registro, ficou claro o amadorismo de Marina e, para completar, ela jurou em frente ao TSE que seu objetivo não era apenas participar das próximas eleições. Declarou que seus princípios visavam a um projeto mais amplo, fora da política comum, e que não estava nada interessada em cargos ou táticas de menor qualidade. "Só temos plano A", disse ela quando lhe perguntaram o que faria se a sua Rede não conseguisse o registro a tempo.
No dia seguinte, veio o plano B, desmentindo os seus princípios. Aderiu ao PSB do candidato Eduardo Campos, rendeu-se às alianças políticas mais tradicionais e surpreendeu a todos seus seguidores abdicando da sua candidatura a presidente a favor da provável vice-presidência. Ficou claro que o importante era permanecer na política tradicional e não perder completamente a vez.
Seus eleitores a seguirão cegamente?. É de se duvidar. A aura de santificação que cercava Marina, o seu tom político messiânico e salvacionista, seu projeto supostamente ambientalista e a idéia do "novo" vieram abaixo. A idealização de uma purificação ética da política brasileira, o anseio um tanto pueril de substituir os partidos por uma espécie de ONG evangélico-ambientalista foi substituída, em alguns casos dos seus seguidores, por uma raiva incontida.
Há eleitores decepcionados de Marina - e com ela - que não confessam o motivo de sua indignação. Sentem que foram traídos por sua própria ilusão, mas não revelam. No entanto, continuam a esbravejar nas redes sociais e a pregar contra a política profissional com mais intensidade até do que antes.
Quem seriam esses eleitores? Muitos são jovens, entusiasmados com o apelo ambientalista e que pretendem sinceramente um quadro político mais arejado. Marina encarnava essa possibilidade em suas pregações, ao propor a novidade contra o velho, a informalidade e a idéia da rede de comunicação direta. Ela ainda fala assim, mas há dúvidas de que será ouvida por esses jovens depois de entrar no bailado - por exemplo - com o ruralista Ronaldo Caiado, um dos maiores anti-ambientalistas do País, que chegou a propor a mudança da legislação para expulsar os índios das suas atuais terras demarcadas e remarcá-las na Amazônia, no Mato Grosso, Goiás e no Pará. Caiado é um aliado de Eduardo Campos e do PSB para as próximas eleições, vai ocupar o mesmo palanque simbólico de Marina.
Antes de tomar sua decisão, Marina tentou conversar com o PDT, o PPS, o PSDB e até o pequeno PSOL. O PPS, antigo Partido Comunista Brasileiro (linha russa), é pequeno e mero subsidiário do PSDB. Foi o convite mais enfático que Marina recebeu. O PPS seria um veículo para uma coligação com o PSDB.
Acabou nos braços e na valsa de Eduardo Campos, o neto de Miguel Arraes, que se tem aproximado bastante dos setores mais conservadores, sobretudo do empresariado disposto a financiar sua campanha. Já passou o pires em São Paulo e no Sudeste, em busca de apoio. O problema é que ainda não decolou nas pesquisas.
O grave é que os outros eleitores de Marina são ex-tucanos desiludidos com FHC, Serra e Aécio. São os flutuantes, que abandonaram por indignação suas adesões de origem. Também são alguns ex-petistas que votavam em Lula e seus companheiros por estes representarem a alternativa ética à política tradicional eivada de corrupção e maracutaias. E que se afastaram do PT após o episódio do "mensalão". Todos são eleitores de classe média que apenas odeiam o PT.
Marina nunca teve o grosso da classe trabalhadora ao seu lado. Costumava-se dizer que o seu eleitorado era chique, recrutado até mesmo nas classes mais altas. Esperava-se que, por ser mulher, colocar-se como vítima do sistema social, ter vindo da floresta e das classes pobres, ela poderia ser um mix de Lula e Dilma a atrair os nordestinos e os desvalidos. Tudo em nome de uma causa superior.
Foi perdoada por seus apoiadores até pelo fato de ter sido uma ministra do Meio Ambiente que não impediu o desmatamento, não foi capaz de conter as madeireiras, os grileiros e os ruralistas. Declarou que não tinha liberdade de ação no governo petista.
Acabou saindo do governo irritada com Lula, que, segundo ela, teria negociado sua demissão em função de apoio político no Congresso. Vitimizada, abandonou o PT, foi para o PV e lá também não teve habilidade para sobreviver. Saiu acusando o PV de fazer a política tradicional e de barganhar cargos..
O gesto de aderir ao candidato Eduardo Campos foi , aparentemente, um sucesso político. Para Campos. Ele deu um passo à frente em relação a Aécio Neves. Talvez ganhe mais pontos no Ibope. Mas nem tantos e, o que é mais sério, Marina não agrega nada de horário eleitoral para a campanha do ano que vem. Até agora, Campos só tem virtuais dois minutos de TV e rádio. Com a criação de dois outros partidos, o Solidariedade, de Paulinho da Força Sindical, e o PROS, de Cid Gomes, houve uma debandada de políticos do PSB e de seus poucos aliados.
A estratégia de Campos consiste em fingir-se de lulista e de não oposicionista, propondo um pouco o que, certa vez, José Serra tentou sem sucesso: não confrontar a popularidade de Lula e prometer "continuidade" para "fazer mais". Campos está mais à vontade no papel do que Serra jamais esteve.Nada indica ainda que a estratégia vai colar.
Quanto a Marina, a única coisa certa é que não será mais candidata a presidente. Isto não foi um sucesso, pelo menos para ela. A ida ao PSB evitou que se entregasse mais explicitamente à direita conservadora, caso procurasse Aécio Neves. Este, por sua vez, deve ter tentado uma aproximação sem êxito. O eleitorado de Marina, porém, não parece nada satisfeito com a sua opção pela sobrevivência.
A candidatura de Dilma nada sofreu com essa valsa, pois a sua coreografia é outra. Depende da performance da economia, não dos votos de Marina.Se mantiver o seu passo, com a quota habitual do PT mais o apoio de Lula na campanha, chega à vitória. De qualquer modo, a saída da messiânica Marina de cena, não só alterou o quadro da oposição como deixou o caminho mais claro para Dilma. Ela não tem o carisma de Marina, nem a atração que esta exercia sobre uma parte da juventude, pelo tema da "anti-política" e do ambientalismo.
O fato é que Marina deixou de ser "santa" e idealizada, não é mais a musa do "novo" e entrou na dança do vulgar pragmatismo nosso de cada dia. De vários modos, Marina dançou.
*Reinaldo Lobo é psicanalista, Doutor em Filosofia pela USP, jornalista. Tem um blog: www.imaginarioradical.blogspot.com.
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