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Excesso de trânsito: consequência do exagerado crescimento econômico (Foto: Divulgação) |
Marcus Eduardo de Oliveira
Tradicionalmente, o crescimento econômico sempre foi um dos objetivos perseguidos pela política econômica. Alcançá-lo, sempre foi visto, pelas lentes da economia tradicional, como condição essencial para “ofertar” a todos bem-estar, uma vez que o crescimento é associado, basicamente, ao aumento da renda e, com essa, tem-se facilitado o caminho rumo a uma vida melhor e mais confortável.
Contudo, se ampliarmos o conceito de bem-estar à inerente condição de viver bem (tal como consta na Carta Magna do Equador oficializando a proposta do Sumák Kawsay - em quéchua - ou Buen Vivir - em espanhol – estabelecendo assim a qualidade de vida como princípio filosófico e político através do qual devem ser guiadas as práticas governamentais) - preferencial e essencialmente - num ambiente natural preservado, com ar puro, com água potável, com clima equilibrado, afastando o risco do aquecimento global, definitivamente entenderemos que pela atual e devastadora destruição dos ecossistemas, patrocinada substancialmente pela expansão irresponsável da atividade econômica que promove e incentiva a aceleração contínua das taxas de crescimento, dilapidando, pois, toda a base ecológica, esse crescimento de tão perseguido passa a ser espécie de inimigo n° 1 das condições para uma vida social, econômica e ecológica de formas saudáveis e equilibradas.
Nesse sentido, fazer a economia crescer e, no rastro desse crescimento, promover a destruição dos mais elementares serviços prestados pelo sistema ecológico à vida é tornar tudo, absolutamente tudo, em matéria de bem-estar e qualidade de vida, simplesmente intolerável.
Se, inequivocamente, o século passado foi o período da história econômica mundial em que houve o maior e o mais intensivo consumo de recursos naturais para a promoção de mais produção material, esse desenrolar de século XXI não pode – até mesmo porque não há condições físicas e ecológicas para isso – dar continuidade e facilidade para que os elevados padrões de produção e consumo se expandam e se perpetuem.
Mesmo que grande parte da comunidade dos economistas, devotos da teoria do crescimento como “santo remédio” para atenuar os males sociais, ainda insista em propagar e defender o crescimento ininterrupto, ignorando, para isso, a existência de limites físicos e ecológicos, e, de quebra, colocando na frente desse conceito a palavra “sustentável”, há que se reconhecer que “crescer” a taxas expansivas somente “produzirá” mais estragos que benefícios, tendo em conta que o significado etimológico do termo “crescer” é “destruir”.
Mais custos que benefícios
Disso decorre um fato inexorável: um dos erros mais comuns cometidos ainda hoje pela miopia da política econômica do crescimento a qualquer custo está justamente em associar a elevação da renda à obtenção automática daquilo que se convenciona chamar de “bem-estar” (melhoria das condições de vida).
Não raro, pensam alguns que basta promover a elevação da renda per capit, para que o bem-estar (uma vez que nesse caso o consumo aumenta consideravelmente) seja então rapidamente alcançado, e com isso se atinja a felicidade. É a conquista do paraíso sendo facilitada para quem tem mais condições financeiras e mais possibilidade de consumo.
Que a elevação da renda é benéfica, disso ninguém duvida; porém, esse “benefício” vai só até certo ponto; até o ponto exato em que se consegue assegurar a conquista das necessidades básicas. Passado esse ponto, crescer causa sintomaticamente à sociedade mais “custos” que “benefícios”. Dizem os mais antigos, em associação a isso, que o molho acaba saindo bem mais caro que o peixe.
Ora, toda vez em que há exagerado crescimento econômico, pouco tempo depois cresce também, por consequência, a necessidade por parte do poder público em “eliminar” (ou atenuar) os focos (na verdade, os malefícios) causados por esse crescimento expansivo.
Talvez o excesso de trânsito tão comum nas grandes cidades mundiais (no mundo, hoje, circulam mais de um bilhão de veículos leves e pesados, sem incluir as motocicletas) e os mais terríveis focos de poluição (um milhão e meio de pessoas perdem suas vidas, todos os anos, ao redor do mundo, em decorrência da poluição) sejam os exemplos mais ilustrativos e as faces mais dramáticas desse episódio.
Ademais, não há como negar uma evidência: mais crescimento econômico significa mais dissabores sociais, gerando menos bem-estar. Dito de outra forma: mais economia (produção e consumo) leva a menos meio ambiente (exaustão acentuada de recursos naturais) ocasionando mais poluição (resíduo do processo produtivo, degradação entrópica) que, por sua vez, resulta em menos vidas preservadas.
Em “Os Limites do Possível” (ed. Portfolio-Penguin, 287 páginas), André Lara Resende, um dos mais importantes e conceituados economistas brasileiros, aponta que “mais renda nem sempre significa mais bem-estar”. Mais renda e mais crescimento econômico “deságuam”, conjuntamente, numa situação incômoda de não se conseguir, por exemplo, ajustar esse excesso de “mais mercadorias” num mundo que vem dando claros sinais, por anos a fio, que está excessivamente entulhado de todo e qualquer tipo de mercadorias.
Por isso Lara Resende, na obra citada, vaticina com bastante propriedade que “há um efeito deletério do crescimento econômico sobre a qualidade de vida”.
Qualidade de vida, como o próprio termo sugere, não se refere à quantidade, mas, sim, a qualidade. Há uma diferença acintosa entre quantidade e qualidade, assim como há diferenças conceituais entre crescimento (quantidade) e desenvolvimento (qualidade). E, para obter qualidade, não é preciso aumentar o rendimento mensal.
Logo, qualidade de vida (dito, desenvolvimento econômico) não passa pela condição financeira e nem pela expansão da atividade econômica (crescimento). É perfeitamente possível fazer com que uma economia se desenvolva sem necessariamente passar pelo crescimento econômico.
“Crescimento deseconômico”, utilidade e desutilidade
Quando a expansão da economia (crescimento exagerado) afeta excessivamente o ecossistema circundante, o resultado é um só: sacrifica-se ostensivamente o capital natural (peixes, minerais, solo, ar, água, petróleo, a biodiversidade) que valem mais (mas, muito mais) do que o capital material criado pelo homem (estradas, aeroportos, fábricas, vestimentas, casacos de couro, veículos e eletrodomésticos).
O que essa estúpida expansão econômica vem fazendo, na verdade, nada mais é que promover um “crescimento deseconômico”, para usarmos a consagrada expressão defendida e propagada por Herman Daly.
Esclarecendo esse ponto: crescimento deseconômico ocorre quando aumentos na produção se dão à custa do uso de recursos naturais e sacrifícios do bem-estar (da qualidade) que valem mais do que os bens produzidos. Isso decorre de um equilíbrio indesejável de grandezas denominadas utilidade e desutilidade.
No dicionário dos economistas, utilidade é o nível de satisfação das necessidades e demandas da população; grosso modo, é o nível de seu bem-estar. Já desutilidade refere-se aos sacrifícios (malefícios) impostos pelo aumento da atividade econômica (produção e consumo), incluindo aqui a perda de lazer, o esgotamento de recursos, a convivência contínua com a poluição.
Assim, percebe-se claramente o quão maléfico para a vida humana significa crescer excessivamente fazendo a economia passar “do ponto”, não respeitando os limites ecológicos, extrapolando as fronteiras ecossistêmicas.
*Marcus Eduardo de Oliveira é economista com especialização em Política Internacional e mestrado em Estudos da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de economia do UNIFIEO e da FAC-FITO, em Osasco/SP. Autor dos livros 'Conversando sobre Economia' (Editora Alínea), 'Pensando como um economista' (Editora EbookBrasil) e 'Humanizando a Economia' (Editora EbookBrasil – livro eletrônico). Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br
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