terça-feira, 12 de novembro de 2013

A crise das humanidades


Frigorífico: racionalidade técnica se sobrepõe à humanidade.
Émilien Vilas Boas Reis* 
A crise na área das humanidades não se restringe ao nosso país. No Brasil, é conhecida a displicência não só nessa área, mas também nas demais áreas da educação. Apesar da pouca importância que os governos brasileiros dão à educação, é possível detectar motivos para a crise das humanidades que se espandem por toda a sociedade ocidental. O ocidente é caraterizado desde sua fundação por escolher a razão como guia. A partir da modernidade, essa razão se tornou capaz de manipular e transformar a natureza. Alguns teóricos denominam essa razão de instrumental. O surgimento da razão instrumental está associado ao surgimento da ciência moderna. A partir do século XVI, e com mais ênfase no decorrer dos séculos, a técnica e a instrumentalidade passam a ser os fundamentos das ações humanas. 

Para o filósofo canadense Charles Taylor, a razão instrumental é aquela que: "a classe de racionalidade da qual nos servirmos quando calculamos a aplicação mais econômica dos meios a um fim dado. A eficiência máxima, a melhor relação custo-rendimento, é sua medida de éxito". Após o declínio da noção de uma ordem intrínseca ao universo, ou da ideia de uma vontade de Deus, a sociedade passa a ser manipulada exclusivamente pela razão instrumental, e "uma vez que as criaturas que nos rodeiam perdem o significado que correspondia ao seu lugar na cadeia do ser, estão abertas a que se lhes tratem como matérias primas ou instrumentos de nossos projetos". Tudo se enquadra nessa razão.

Em tal contexto de razão instrumental, a tecnologia passa a ser a baliza para todas as atividades, sendo vista como a única solução para os problemas em geral (muitas vezes gerada pela própria razão instrumental). Tudo é encarado dentro de uma lógica utilitarista. Nesse sentido, a reflexão e a tentativa de compreender e/ou interpretar a realidade perdem sentido, pois não se enquadram, a princípio, nessa visão pragmática. 

O reflexo disso para as áreas e departamentos das humanidades é que perdem a sua razão de existirem. Mesmo no continente europeu, berço também do pensamento reflexivo, é possível notar os resultados de tal crise. Devido ao desprestígio, os departamentos recebem cada vez menos estudantes, com a inevitável consequência do fechamento de cursos. As reformas educacionais feitas ou propostas em alguns países, para piorar a situação, preveêm a retirada de disciplinas mais teóricas de algumas séries. 

Outro agravante para a situação europeia quanto à crise das humanidades é a economia. É inevitável que, em momentos de estagnação, as áreas mais teóricas sejam abandonadas em favor de outras que são mais “úteis” para a sociedade. Para as novas gerações, as áreas ligadas à tecnologia e informática são percebidas como mais atraentes e importantes. 

Os departamentos de humanas que resistem se veêm presos dentro da lógica utilitarista (comum à maiorira dos demais departamentos de ensino). Eles precisam explicitar aos orgãos governamentais e de fomento à pesquisa que ainda possuem alguma “utilidade” à sociedade. Assim, para demonstrarem que estão “produzindo” diariamente, passam grande parte do tempo “reproduzindo” pesquisas já feitas. Os pesquisadores fingem que pesquisam e os orgãos fingem que avaliam, e isso tudo em  meio a conchavos políticos, lembrando que a política também faz parte dessa razão instrumental.

É graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor de Filosofia do Direito e Metodologia de Pesquisa na Escola Superior Dom Helder Câmara. 

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