domingo, 24 de novembro de 2013

O sonho, o santo, o sábio

Bela e concisa exposição marca o centenário de nascimento de Geraldo Teles de Oliveira, o GTO.


GTO: técnica apurada, força emblemática.
Por Paulo Laender*

Com conceitos cartesianos e valores intelectuais no plano do  consciente, nossa cultura materialista coloca um ser como o escultor Geraldo Teles de Oliveira (GTO) - muito mais ligado a referências e valores do inconsciente -  à margem da inteligência instituída, classificando-o como “artista ingênuo”, tolerantemente aceito com os devidos descontos que lhe são feitos.

Numa cultura em que o racional não fosse absoluto nem se impusesse com arrogância e prepotência mas, dividisse com o espírito a formulação de uma "consciência global", GTO não seria encarado como um fenômeno sui generis. Ao contrário, seria visto com o valor e o respeito que merecem aqueles que, com coragem, segurança e total entrega, se lançam na viagem ao desconhecido, de lá trazendo imagens e informações que, elaboradas com habilidade e emoção,  tornam-se registros escultóricos, literários, pictóricos, filosóficos, musicais, etc. , possibilitando-nos vislumbrar um pouco do mistério a que estamos universal e atavicamente unidos.

Apesar de tudo isso, GTO, como outros seres especiais, consegue com sua energia, consciência e emoção sobrepor-se aos obstáculos que aquela sociedade e cultura lhe impõem levando suas idéias ao alcance da plenitude e do reconhecimento.

Nessa linhagem, encontramos santos, filósofos, idealistas, utopistas, revolucionários, artistas verdadeiros e os sábios. Enfim, aqueles que lançam sua energia ao fogo da vida, alquimizando-a rumo à evolução humana.

A espiral da evolução é irreversível, e ainda que o nosso tempo sugira o contrário, GTO, muitas vezes incompreendido, explorado, rotulado de ingênuo, transmuta-se, cada vez mais, em santo e sábio, conduzindo-nos, indistintamente , a um passo acima.”

Escrevi estas palavras como introdução à uma entrevista que realizei com GTO em 1979, na sua casa em Divinópolis, e que foi publicada na revista Pampulha (de arquitetura, design, arte e meio ambiente) em 1981.

Àquela época GTO já era um artista consagrado e seu trabalho disputado e reconhecido nacionalmente.

Volto a este texto, mais de 30 anos depois, ao visitar a bela e concisa exposição comemorativa  do centenário do seu nascimento, que o Centro de Arte Popular da Cemig, com curadoria de José Alberto Nemer e expografia de Paulo Schmidt, nos apresenta de 16 de outubro a 29 de dezembro de 2013.

A exposição, que reúne um resumo acurado de esculturas selecionadas dentre coleções mineiras, perpassa a obra de GTO mostrando suas formas, seus personagens e imagens do seu repertório agrupados, através do seu particular sentido de composição, e realizados com sua técnica apurada; culmina com a força emblemática que este conjunto de esculturas nos apresenta.

Com sua fisionomia “egípcia” (baixa estatura, rosto marcante, entalhado como seus personagens, olhar penetrante e cabelos longos cortados à altura do maxilar), de descendência mameluca por parte dos avós, trazia, em si, forte dose da miscigenação brasileira.

Pelo seu relato, as suas visões em sonho e o seu pensamento transitavam entre o sagrado e o profano: a ordem espiritual, simbolizada pelo Cristo, pelos representantes da igreja ou ainda pelos “xamãs” e guerreiros índios, buscava a organização de si próprio e dos homens.

Estes homens, quase sempre representados na figura do seu alter ego,( observem como suas figuras têm a sua aparência) e estão numa composição mágica, agrupados em mandalas ou escalonados. em sequência ascendente, como base e pilares da cruz, a suportar o Cristo.

GTO tinha total entendimento de estar engendrado na roda da vida, carmicamente “acorrentado” ao círculo dos homens.

Ao transportar para a madeira as imagens que o assaltavam em sonho buscava , como  ele próprio afirmou em nossa entrevista àquela época, aprisioná-las na forma imutável numa ação mágica que , as dominasse e o assim o libertassem da compulsão da sua presença.

Para realmente compreender seu trabalho e alcançar a profundidade do seu mergulho devemos nos despojar da postura , às vezes até preconceituosa, de aculturados a que nos nomeamos .

“Se o mundo é vário, o universo então, nem se fala!” - ouso sugerir, à maneira de Rosa.

Numa terra de minas e gerais, de minerais, serras, matas e sertões nada melhor para representar tanta complexidade e magia como um artista desse porte.

Finalizo com alguma declarações do próprio GTO sobre a a natureza do seu trabalho:

Ainda sonho. Mas, no princípio, sonhava tanto que ficava mais cansado dormindo do que acordado.”

“Eu sou criador. Isso que eu faço é bobagem, estou aprendendo. Vocês ainda vão ver quando puder fazer o que quero.
*Paulo Laender é arquiteto, escultor e designer.

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