Pe. Almir Magalhães*
Mesmo passados mais de 50 anos da grande reviravolta proporcionada pelo Concílio Vaticano II, observa-se que na realidade nem todas as suas potencialidades foram exploradas ou institucionalizadas; temos ainda um longo caminho a percorrer em várias direções, especialmente no que diz respeito à Catequese de Iniciação à vida cristã e permanente, a uma religiosidade subjetiva e não eclesial e acima de tudo desprovida de preocupação com o social, com os mais pobres, aliadas a uma insensibilidade quanto ao sofrimento do outro. Claro que poderíamos elencar aqui muitos outros aspectos.
No lugar disso o que se constata é a predominância de uma religiosidade de autoajuda, muito bem registrada nas atuais Diretrizes Gerais (Doc. 94 da CNBB), quando afirma:
“O discípulo missionário observa, com preocupação, o surgimento de certas práticas e vivências religiosas, predominantemente ligadas ao emocionalismo e ao sentimentalismo. O fenômeno do individualismo penetra até mesmo certos ambientes religiosos, na busca da própria satisfação, prescinde-se do bem maior, o amor de Deus e o serviço aos semelhantes. Oportunistas manipulam a mensagem do Evangelho em causa própria, incutindo a mentalidade de barganha por milagres e prodígios, voltados para benefícios particulares, em geral vinculados aos bens materiais. Exclui-se a salvação em Cristo, que passa a ser apresentada como sinônimo de prosperidade material, saúde física e realização efetiva. Reduzem-se, desse modo, o sentido de pertença e o compromisso comunitário-institucional...” (DGAE, nº. 94, n. 22).
Acredito que este pequeno texto é bastante lúcido e pode nos remeter a duas leituras: a primeira diz respeito a algo muito comum em encontro de massas, quando os pregadores “profetizam”. Numa multidão de mais de um milhão e meio de pessoas destaca que está vendo alguém, com roupa tal, dá outras características e finalmente enfatiza o que ela veio buscar no referido encontro. Não quero questionar a moção do Espírito nas pessoas, mas sim o fenômeno em si. Num evento desse quilate, aconteceu este tipo de prática e qual os comentários que escurei? “Você viu, ele disse até a cor da roupa da mulher”. Quem sai fortalecido nesta história? Quem tem o contato com o divino, é algo sobrenatural, quem sabe na paranormalidade. O conceito de profecia adequa-se a esta forma de visão, de “adivinhação”? O exercício da profecia está muito ligado com as injustiças sociais, são pessoas que incomodam... Sei que a questão é controversa, mas é o que tenho a partilhar.
A segunda relaciona-se com a busca da própria satisfação não levando em conta o serviço aos semelhantes. Enfim, é a reafirmação do individualismo que se distancia demasiadamente do cristianismo, seja porque deixa de lado o espírito comunitário, seja porque se baseia num intimismo na relação vertical com Deus, na busca da solução de problemas pessoais, da questão da autoajuda, despreocupando-se com o serviço aos semelhantes, especialmente aqueles que estão na mesma comunidade. Afinal de contas a base do cristianismo é amor a Deus e ao próximo.
A religiosidade aqui considerada como de autoajuda, marcadamente ligada ao aspecto terapêutico, tem sua fundamentação no neo-pentecostalismo, muito aceito na sociedade atual e dando até a impressão que é isto aí mesmo, é por aí que se encontra o sucesso (é isso que queremos?) tendo em vista as multidões que arrastam, seja na Igreja Católica ou mesmo nos irmãos separados.
O processo na busca do êxodo está indicado no Documento de Aparecida (nn. 365, 366), quando fala da conversão pastoral ou quando afirma que a missão deve comunicar a vida, “ que a vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar vida aos outros. Isso é definitivamente missão (DAp. n. 360). Parece que há uma distância enorme entre o que foi dito e esta indicação.
É padre da Arquidiocese de Fortaleza, Diretor Geral
e professor da Faculdade Católica de Fortaleza.
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