Riqueza exagerada e suntuosa de um lado versus a pobreza crônica e vergonhosa do outro (Foto: Divulgação) |
Marcus Eduardo de Oliveira
Na velha “teoria do bolo” (primeiro fazer a economia crescer para depois distribuir os benefícios), que tanto marcou o pensamento econômico brasileiro, há algo que precisa ser esclarecido.
Atualmente, não é que esteja faltando o “bolo”. O “bolo” existe – aliás, sempre existiu. O problema é que esse “bolo” não é (nunca foi) fatiado de maneira igual. Nesse sentido, guardando relação com essa “história”, a ideia corrente na teoria econômica do “trickle down” também se apresenta insensata.
O “trickle down” é uma referência econômica que sustenta que ao apoiar os negócios e permitir que eles prosperem, os benefícios com o tempo gotejarão (trickle down) para as pessoas de média e baixa renda, que então serão favorecidas por uma maior atividade econômica.
Tem-se então uma falsa premissa que o crescimento (o bolo crescendo) será fatiado para todos. Como a conta entre o que se produz e o que se consome, em geral, não fecha, o gotejamento, tal qual como predito, não acontecerá.
Guardando ainda outras “relações”, assim também acontece com o acesso à água potável, aos sistemas de saúde e à educação. É a riqueza exagerada e suntuosa de um lado versus a pobreza crônica e vergonhosa do outro. De um lado sobra; do outro, falta. Enquanto uns se empanturram, outros ficam às mínguas.
Em relação a esse aspecto cabe insistir na premissa que os economistas são sabedores de que uma boa e adequada distribuição, por si só, seria responsável por tentar fechar o ciclo de produção que se “desencadeia” com o consumo.
Uma adequada distribuição de recursos aos mais necessitados tem o mesmo significado de um “consumo eficiente” num mercado tido como “normal”.
No entanto, os críticos poderiam arguir que o assistencialismo não faz avançar nenhuma sociedade. Conquanto, não se trata aqui do velho e bom dilema entre o que seria melhor: “dar o peixe ou ensinar a pescar”.
Face à crescente e vexatória desigualdade em níveis cada vez mais avassaladores, essa questão passa mais pela lógica matemática: atender aos mais necessitados no curto prazo ou esperar pelo longo prazo, correndo o risco da assertiva keynesiana que prediz que “no longo prazo todos estaremos mortos”?
Voltando à analogia inicial: uma vez que o “bolo” existe, não se deve esperar pelo seu crescimento para fatiá-lo. É necessário comer o “bolo” antes disso. A demora, nesse caso, pode ser fatal, afinal, estamos falando de vidas humanas, não de números frios e sem vida.
E quanto aos limites do capitalismo?
De tanto acumular capital e expandir a capacidade produtiva fazendo jus a essência capitalista, os limites dessa ação acumulatória (e predatória, por consequência) acaba por inviabilizar a continuidade desse processo à medida que se ultrapassam os limites. Afinal, para tudo - inclusive para o próprio capitalismo - há limites.
Diante disso, a questão que agora se apresenta é a seguinte: esse capitalismo chegou ou não ao limite do processo produtivo ao usar e abusar dos recursos naturais? Estaria o modo de produção capitalista em seus últimos e derradeiros dias, visto que os recursos já estão sendo sugados em toda sua plenitude?
Antes de arriscarmos uma resposta, cumpre ressaltar o caráter paradoxal dessa situação. Vejamos primeiramente as razões dessa refutação.
Apesar do crucial desenvolvimento em vários setores produtivos e do intangível avanço técnico-científico originado com a globalização e a integração de mercados puxando esse “avanço” à frente, facilitado, por consequência, pelo fim das fronteiras e pela queda de barreiras alfandegárias, parece, às vistas grossas, que finalmente o sistema capitalista tende a se aproximar do fim.
O fim, aqui, pode ser visto pela ótica dos limites de reprodução, uma vez que o processo produtivo, na gana em auferir resultados, parece não encontrar impedimentos a “impulsos” produtivos. Esse limite, entretanto, parece fazer sentido quando se pensa na situação dada de que o capitalismo já desenvolveu plenamente todo seu potencial produtivo.
Logo, não haveria mais espaços, nem condições para a expansão dessa capacidade de produção, visto que os recursos e o espaço físico são limitados.
Contudo, cabe perguntar: como verificar esse limite? A resposta é bem simplista. Basta verificar o meio ambiente para perceber-se que os recursos naturais já se encontram mais que esgotados frente a um processo de desenvolvimento que nos últimos séculos desrespeitou completamente a racionalidade ambiental.
A conclusão a esse respeito é una e plausível. O limite ecológico da Terra está saturado. Nos últimos trezentos anos foram usados mais recursos naturais que em toda a história da humanidade. Nos últimos 150 anos extraíram-se a exaustão minério de ferro, de manganês, bauxita, cassiterita e enxofre.
Nas últimas sete décadas viu-se extrair mais cobre, vanádio, nióbio, grafita e tântalo desde que a vida grassou na Terra, há 3,5 bilhões de anos. Apenas nos últimos cinquenta anos foram poluídos mais rios, lagos e mares desde que o animal racional homem colocou seus pés na Terra.
O ar nunca esteve tão poluído como no último quarto de século. A água hoje escasseia, o clima piora a cada momento e os alimentos há muito deixaram de ser “puros” – o que predomina hoje são os transgênicos e os “enxertados”, regados a agrotóxicos.
A lógica burra desse capitalismo que faz exceder a capacidade produtiva pela busca incansável de ganhos financeiros de maneira rápida, apenas contribui, sobremaneira, para conduzir o sistema econômico às mais variadas crises globais.
Esse estúpido excesso de produção, que finca estacas num modelo de consumo ambiental insustentável, se tornou, por definição, perigoso e potencialmente autodestruidor. Talvez seja essa a contradição mor de um sistema que abusou da capacidade produtiva. Talvez tenha sido a estupidez de se fazer acreditar que o consumo seria capaz de oferecer o Paraíso.
O desrespeito ambiental, em decorrência desse processo, que grassa sob as cinzas do imponderável, parece realmente que não teve seus limites respeitados, ainda que alguns economistas digam o contrário.
O desastre ambiental e ecológico é óbvio. Não por acaso, a cada ano, por exemplo, 17 milhões de hectares de floresta tropical são desmatados. A sociedade moderna, em especial o lado Norte do planeta, cujo consumo é de 85% da produção mundial, joga pelo ralo imensa quantidade de recursos naturais, além de agredir tanto a fauna quanto a flora.
Até 2006, a Amazônia acumulou perda de 17% da sua vegetação total nos nove países que possuem trechos da floresta tropical. A área total desmatada no período foi de 857.666 quilômetros quadrados. Até 2006, a Floresta Amazônica sofreu desmatamento equivalente a 94% do território total da Venezuela. Esse desmatamento da Amazônia provocou a extinção de 26 espécies de animais e plantas até o referido ano.
Esse conflito entre produção econômica versus agressão ambiental se resume e encontra confortável morada na lógica burra do capitalismo que “vive e se alimenta”, unicamente, para acumular capital, sempre “conectado” aos ganhos de escala “desrespeitosos” de uma produção “destruidora”.
Em outras palavras, por mais irônico que pareça, é o próprio acúmulo de capital – dentro dessa lógica do ganhar a qualquer custo - que tende a levar o sistema capitalista à estagnação e, por consequência, a vida do planeta à bancarrota.
O crescimento econômico de países feitos à revelia do equilíbrio ambiental somente tem gerado mais destruição que proveitos. Ao atingir-se o “limite de reprodução”, torna-se contraproducente manter esse sistema em funcionamento. Aliás, nesse caso, o “sistema” deixará de funcionar. Com isso, aos poucos, o capitalismo vai “se enforcando” em suas próprias cordas.
É economista, com especialização em Política Internacional e mestrado em Integração da América Latina (USP). Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br
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