terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Ritmo econômico insustentável



O crescimento de uma economia é transformar a grande escala dos recursos naturais em objetos materiais (Foto: Divulgação)
Marcus Eduardo de Oliveira

É imperioso entender que matéria e energia entram no sistema econômico, passam pelo processo de throughput (espécie de uma taxa de transferência) e se converte em lixo (energia degradada).

Por isso a dinâmica econômica é muito mais uma situação com potencial de transformação do que propriamente de produção. Recebe recursos da natureza e transforma-os (produz) em mercadorias.

Nas palavras de Herman Daly, a voz mais elevada da economia ecológica mundial, esse throughput é “o fluxo de recursos naturais de baixa entropia (inputs) que sofre as transformações da produção e do consumo e volta à natureza sob a forma de resíduos (outputs), seja para aí se acumularem, seja para ingressarem em ciclos biogeoquímicos e, através da energia solar, voltarem a fazer parte de estruturas de baixa entropia que podem novamente ser úteis a economia”.

Disso resulta afirmar que os recursos naturais, classificados pela tradicional teoria econômica como um dos fatores de produção, podem se inscrever perfeitamente como sendo fatores de transformação, pois matéria e energia atuam (se transformam) dentro do processo econômico.

Dessa maneira, o crescimento de uma economia nada mais é que transformar a grande escala dos recursos naturais em objetos materiais, expandindo-se assim o produto da economia.

No entanto, cabe apontar que o crescimento econômico conseguido sem limites, sem uso racional de critérios ecológicos, submete todo o ciclo ambiental a um processo final muito preocupante: polui consideravelmente o meio ambiente através da emissão de resíduos que sobra do processo produtivo.

Cada vez que o ritmo econômico faz disparar o crescimento da atividade produtiva, mais insustentável ecologicamente se torna o meio ambiente. É o ritmo econômico (expansivo) que gera a insustentabilidade ambiental.

Tem-se assim que o meio ambiente é completamente “insultado” pelo sistema econômico (no ato da produção) e termina mais insultado ainda com o que recebe em termos de poluição (quando a atividade econômica descarta os materiais utilizados no processo produtivo).

Ademais, explorar o sistema ecológico em nome do sistema econômico, especificamente ditado pelo ritmo de crescimento das economias modernas, até atingir um ponto de saturação somente resultará em decrescimento econômico e em total depleção ecológica.

É certo que a partir desse “ponto” qualquer tentativa de se obter novas taxas de crescimento econômico gera graves passivos ambientais. Ao atingir-se essa saturação, crescer (economicamente) deixa de ser saudável (ecologicamente).

É por tudo isso que a expansão/aceleração do ritmo econômico não combina com a preservação ambiental. Há limites (ecológicos) para crescer (economicamente). Enquanto existir limites ecológicos (e não há o menor indício que isso venha a deixar de existir) será incompatível pensar em grandes e expansivos mercados de consumo de massa.

Numa situação de finitude de recursos da natureza, expandir o mercado de consumo implica, automaticamente, maior agressão ao meio ambiente. Todo e qualquer crescimento de bens fora dos padrões dados pela imposição ambiental, vinculado ao atendimento do chamado consumo conspícuo, não é e nunca será factível.

É preciso ressaltar, ademais, que ao longo de mais de dois séculos de existência de textos que embasam todo o pensamento teórico das ciências econômicas, tomando como ponto de partida a publicação magna de A Riqueza das Nações (março de 1776), a recomendação em termos de políticas econômicas têm sido uma só: fazer crescer a economia para assim formar um amplo mercado de consumo de massas.

Essa sociedade de consumo que a economia tradicional sempre recomendou foi historicamente erigida sob o ponto de vista de um falso e cambaleante argumento: é consumindo, adquirindo todo e qualquer tipo de produtos possíveis e imagináveis, que o bem-estar (melhoria das condições de vida) será facilmente alcançado.

Com esse inverossímil e tosco argumento se confunde crescimento com progresso. Não por acaso a aquisição material passou, desde os primórdios do pensamento econômico, a ser vista como sintomático sinônimo de obtenção de felicidade/prazer/satisfação. Criou-se assim uma espécie de “hedonismo econômico”.

É interessante notar que em mais de duzentos anos de história econômica sempre houve tentativas contidas a partir dos livros-textos tradicionais de passar a ideia que o mercado (e, claro, a compra de mercadorias) é o tão prometido “paraíso” e o objetivo central a ser perseguido. Obter qualquer coisa (mercadoria) passou a ser identificado como ter (alcançar) “progresso”

Essa noção errônea que norteia a economia tradicional em torno da ideia de que o “consumo” consiste no objetivo principal a ser perseguido pelos modelos econômicos tem prevalecido desde os primeiros textos que marcam o nascimento da economia enquanto corpo sistemático de conhecimento.

Definitivamente, não é esse o tipo de economia que os defensores de um mundo mais harmonioso e menos mercantil almejam. Uma economia em que o valor principal repousa sobre a materialidade não parece ser factível no longo prazo. Para manter continuamente um sistema econômico saudável, o valor principal da atividade econômica deve estar nas relações sociais e numa harmoniosa convivência com a parte ecológica entre os membros da comunidade. Para tanto, faz-se necessário uma profunda mudança de valores; principalmente – mas, não somente - as de ordem econômica.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

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