terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

As pessoas em primeiro lugar

Marcus Eduardo de Oliveira

“O mundo não é uma mercadoria”
(Henrique Rattner, economista)

Crescer economicamente não significa prosperar socialmente. A tradição da teoria econômica, desde a obra seminal de Adam Smith (1723-1790), publicada em março de 1776, tem insistido, grosseiramente, que crescimento econômico é espécie de receita infalível para o progresso geral.

Grande parcela de economistas tem corroborado com essa ideia. Em síntese, a recomendação “técnica” encontrada na economia tradicional aponta que basta viver sob uma economia em larga margem de crescimento que as oportunidades sociais serão prontamente estendidas a todos; e as necessidades básicas de cada um, por consequência, serão plenamente satisfeitas, ou, pelo menos, estarão ao alcance de todos.

A “receita mágica”, nesse caso, estaria em fazer a economia crescer, de preferência o mais rápido possível e em taxas as mais elevadas. O parâmetro desse crescimento tem sido o tradicional indicador do Produto Interno Bruto (PIB).

Fazer o PIB crescer - pela visão econômica tradicional – implica pensar antes que os empregos vão aparecer, que a renda será distribuída, que as receitas vão se expandir. Para tornar essa premissa verdadeira, a teoria econômica tradicional insiste em concentrar esforços na busca desse crescimento, ignorando, por exemplo, que pelo meio do caminho ocorrerá passivo ambiental, face à agressiva utilização dos limitados e finitos recursos naturais.

Nesse sentido, a economia convencional recomenda o oposto da realidade: trata a atividade econômica como se essa não necessitasse de novas entradas de energia e matéria, e como se fosse possível expandir a produção ininterruptamente, a bel-prazer das forças mercadológicas.

É fato inquestionável que todo crescimento econômico requer uso de matéria e energia. Acontece que matéria e energia não estão disponíveis em quantidades ilimitadas em cada esquina.

Toda e qualquer produção, por sinal, requer matéria e energia. O que não deve ser ignorado pelos economistas é que “a economia é vista como algo dependente de recursos naturais fornecidos pelo ecossistema global, bem como da capacidade deste de suportar a agressão promovida pela humanidade e de assimilar os resíduos, a poluição, resultantes dos processos de produção e de consumo”, como bem pontuou o professor Charles Muller.

Não se pode negligenciar que a produção de mercadorias emana de processos físico-químicos que seguem e respeitam as leis da natureza. No entanto, a teoria econômica tradicional afirma que o sistema econômico segue isolado, sem interrelações com o meio ambiente. Isso é tão falso quanto pensar que as mercadorias caem prontas do céu.
Para que o sistema econômico possa produzir algo, é necessário o uso de matéria e energia fornecidas pelo meio ambiente. Logo, a economia é altamente dependente das leis da natureza.

A economia só funciona porque está apoiada numa base material. E cabe à energia exercer papel preponderante para que isso se solidifique. Para aqueles que defendem um crescimento da economia a qualquer custo, enxergando nisso possibilidades de avanço social, incorrem num crasso erro: ignoram os impactos ambientais.

O professor Charles Mueller numa excelente obra intitulada “Os economistas e as relações entre o sistema econômico e o meio ambiente” afirma que “os impactos ambientais da atividade econômica têm importância não pelo que acontece com a natureza, mas pelos seus efeitos em termos de desconforto, de perda de bem-estar dos indivíduos em sociedade”. (MUELLER, 2007).

Com isso, para quem insiste no convencionalismo de que o crescimento econômico está vinculado intrinsecamente ao processo de acumulação de capital, de geração de riqueza, deve-se ter em conta que a realidade é outra.

Estamos todos dentro de um mesmo espaço (ambiente) que até agora tem nos atendido. Acontece que mediante as constantes agressões a que tem sido submetido o meio ambiente, a perspectiva de sobrevivência de todos passa a ser colocada em sério risco.

A ciência econômica tradicional, por entender que o crescimento é fator fundamental e deve ser buscado continuadamente, contribui, sobremaneira, para aumentar esse risco.

A “matemática” desse crescimento econômico a qualquer custo tem se comportado de maneira torpe em termos de análises dos efeitos colaterais. Nesse modelo que procura favorecer a expansão econômica a qualquer monta, o que importa é crescer; assim recomenda com veemência a economia tradicional que entende o crescimento como sinônimo de progresso, e confunde consumo conspícuo com felicidade e bem-estar.

Se o meio ambiente em que estamos inserindo perecer será justamente a qualidade de vida (bem-estar) de todos que também imediatamente perecerá. Por outro lado, é importante ressaltar que o ponto central de uma economia moderna que faça a reversão desse modelo tradicional em direção a uma estruturação mais humana e menos tecnicista da atividade econômica, que seja mais social e menos mecânica e rebarbativa, diferente, portanto, do modo convencional, está em usar as técnicas e os modelos econômicos de maneira a atender satisfatoriamente as necessidades dos menos privilegiados.

A preocupação primeira, para isso, deve ser o atendimento das necessidades dos milhões de seres humanos que se encontram “excluídos da economia mundial”, para usarmos as palavras do Nobel, Amartya Sen.

Nesse sentido, o eixo de uma “nova economia” que esteja assentada nas práticas mais solidárias e humanas consiste em colocar as pessoas em primeiro lugar. O que importa prioritariamente são as pessoas e suas necessidades elementares, e não o mercado e suas mercadorias.

O foco desse modelo diferenciado de fazer economia está na cooperação (que soma e inclui), e não na competição (que divide e exclui). Nunca é demasiado lembrar que a ciência econômica é feita pelos homens e para os homens, daí a importância ímpar da inclusão dos excluídos.

Outra preocupação que deve nortear uma “nova economia” está no fato de saber respeitar as leis da natureza para promover avanços socioeconômicos sem destruição, crescimento sem depleção ambiental.

É necessário que todos desenvolvam uma maneira de pensar ecologicamente em favor da natureza. Isso facilitaria compreender que o homem é apenas um elemento a mais do Universo, e não o “dono” do Universo. O homem é apenas uma parte da Terra, e não o “senhor absoluto” da Terra, assim como a economia é uma parte, e não um todo do meio ambiente. Consoante a isso, as leis da economia precisam estar em sintonia com as da natureza.

Para os que estão comprometidos com uma mudança em prol de uma economia mais justa e fraterna e ecologicamente equilibrada, crescimento econômico, a partir dessas evidências, deve ser visto e entendido tecnicamente em termos puramente quantitativos, enquanto desenvolvimento necessariamente deve ser visto em termos qualitativos.

Aceitar essa última premissa como verdade e, antes, fazer disso um ideal, é se colocar afirmativamente ao lado daqueles que tanto necessitam de ajuda: os “excluídos da economia” cujas cifras são cada vez mais assustadoras em escala mundial: 1 bilhão de estômagos vazios; 1,5 bilhão de pessoas sem acesso à água potável; 19 crianças com menos de 5 anos de idade mortas a cada cinco minutos de pneumonia; 500 mil mães que morrem a cada ano na hora do parto devido a assistência médica insuficiente; 5 milhões de crianças que a cada ano não completam cinco anos de vida.

É imperioso, sempre que possível, reforçar a ideia que a economia tem todas as condições de promover amplo programa de recuperação social, desde que se rompa abruptamente com o pragmatismo dominante da tradicional economia.

A tradição econômica insiste, grosso modo, em medir a realidade social por números e valores monetários (tendo o PIB como indicador ilustrativo), como se a “vida econômica” se resumisse a uma mera questão matemática. É urgente, pois, propor a mudança do eixo da economia e, definitivamente, firmar políticas públicas que coloquem as pessoas em primeiro lugar; afinal, a ciência econômica, desde seu surgimento, nasceu para dar uma resposta positiva à vida de todos.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br

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