Cada época tem seus chavões e o mais forte na atualidade é o repúdio aos preconceitos.
Por Evaldo D´Assumpção*
Cada época tem seus chavões e o mais forte na atualidade é o repúdio intransigente aos preconceitos. Como corolário dessa postura, vem a pecha de preconceituoso para todas as pessoas que têm ideias diferentes das nossas, ou que discordem de nós. Se não, vejamos.
Inicialmente é bom entender o que significa "preconceito". Etimologicamente é o substantivo masculino formado pela associação do prefixo ‘pre’, que vem do latim prae, significando ‘anterioridade, antecipação’, com o substantivo masculino ‘conceito’, que tem o significado de ‘opinião, ponto de vista, convicção’.
Daí inferir-se o significado de ‘preconceito’ que pode ser ‘qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico’ ou ‘sentimento hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio’ (Houaiss)
Bem definido o termo, podemos fazer algumas considerações, no mínimo interessantes.
Começamos pelo formato preconceituoso do próprio termo, que foi visto tratar-se de um substantivo ‘masculino’, formado de duas partes essencialmente masculinas. Ou seja, não existe ‘pre’ feminino (seria ‘pra’?...) tampouco ‘conceita’. E em assim sendo, preconceito não tem feminino, não existe preconceita.
Fico imaginando se isso não é uma manipulação machista para assegurar o predomínio dos machos, em mais um assunto. Bem, como saída estratégica, criou-se o adjetivo ‘preconceituoso’, que para alegria geral, tem sua versão feminina ‘preconceituosa’. Menos mal.
Contudo, considerando o predomínio feminino em quase todas as áreas, nos tempos vigentes, também é possível fazer outra dedução. Como ‘preconceito’ é algo execrável, quem lexicologicamente é o seu detentor, boa gente não pode ser. Pode-se então deduzir que as mentes radicais, intolerantes, irascíveis são as masculinas, pois ao gênero masculino pertence o ‘preconceito’. É um viés a ser contemplado em futuras reflexões.
Isso posto em questões lexicológicas, passemos ao terreno prático.
Hoje temos como intoleráveis, sendo até definidos como crimes inafiançáveis, a utilização de termos como “crioulo”, “negão”, “amarelo”, “china”, “botocudo”, “selvagem”, sempre que se referirem a pessoas de etnias correspondentes ao “negro”, “afrodescendente”, “oriental”, “índio”. Poderia aumentar muito essa lista, mas só esses nos bastam. Afinal, minha intenção é refletir porque até hoje não ouvi falar que chamar alguém de “branquelo”, “descorado”, “ricota”, “ruivo(a)”, “louro(a)”, para lusodescendentes, nórdicosdescendentes, etc. tivesse levado alguém à cadeia, por ser igualmente crime grave. Aliás, para esses, confesso não saber a nomenclatura politicamente correta. Talvez devesse dizer: “Ô branco!” Mas isso me parece tão estranho...
Na área da sexualidade então, as coisas ficam mais complicadas. Quem utilizar tabuísmos como ‘bicha’, ‘veado’, etc. comete ofensa grave e transgressão legal. Mas dizer “gay”, que é uma palavra inglesa que significa ‘alegre, jovial, festivo’, expressões que se aplicam a qualquer pessoa, é politicamente correto. Homossexual, heterossexual, transexual, bissexual, etc. são termos lexicologicamente corretos, porém demasiadamente complexos para o uso quotidiano.
Girando em torno dessa variedade de expressões, cada pessoa define quem ele acha preconceituoso ou não. Na realidade, vale mais a maneira como se fala, do que a expressão que se usa. O problema é como a pessoa chamada recebe esse ou aquele epiteto!
Por isso, e para não me estender em demasia, deixando que os leitores tirem as suas próprias conclusões, concordando ou discordando, encerro dizendo que meu objetivo foi buscar desconstruir a ‘preconceitofobia’ disseminada entre as pessoas, lembrando que na maioria das vezes as atitudes e as críticas ditas preconceituosas são apenas reações naturais às verdadeiras agressões sociais perpetradas por certos indivíduos que, no descompasso de suas emoções, exageram ou extrapolam em suas atitudes peculiares e exóticas.
Pessoas que desrespeitam as normas de comportamento social, como os vândalos utilizam justas manifestações populares para externar suas frustrações, sua violência reprimida, seu ódio à sociedade, quebrando e destruindo propriedades públicas e particulares. Há que se separar o joio do trigo.
Uma sociedade sem regras, sem limites e sem respeito mútuo, com certeza é uma sociedade decadente e fadada ao caos. E contra isso, não há preconceitos para impedir acontecer.
*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor.
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