terça-feira, 25 de março de 2014

A economia consome a natureza

Marcus Eduardo de Oliveira

Inequivocamente, as sociedades modernas convivem com sufocantes padrões de consumo. Isso faz parte de uma lógica estúpida, pois, equivocadamente muitos ainda acreditam que a abundância material “produz”, essencialmente, bem-estar, melhorando substancialmente a vida das pessoas.

A protagonista principal desse filme de “terror econômico”, cujo pano de fundo é a degradação ambiental, é a atividade econômica. O enredo desse filme é bem conhecido: manda quem pode (as forças de mercado), obedece quem tem juízo (o bolso dos consumidores).

No afã em se produzir (de tudo) a qualquer preço para o atendimento das propagadas necessidades humanas - cada vez mais ilimitadas - a racionalidade econômica faz o jogo do mercado e, assim, contribui para transformar artificialmente desejos em necessidades.

Para isso, põe a roda da economia para girar com mais força visando alcançar elevadas taxas de produção de bens e serviços; afinal, apoiada e sustentada por ampla propaganda (marketing massivo), o consumo “precisa” acontecer para o completo regozijo da classe produtora de bens e serviços.

Conquanto, como nem tudo que reluz é ouro, nesse meandro produção-consumo não há como refutar uma assertiva: para crescer economicamente (produzir mais) é necessário usar o meio ambiente (recursos naturais e energéticos).

O fato concreto é que “crescer” é sinônimo de “destruir”. Essa premissa pode ser reescrita da seguinte forma: Consome-se, logo, destrói-se. Aumenta-se a produção, agride-se o meio ambiente. Mais produtos, mais poluição, menos natureza preservada.

Em sociedades centradas no uso e na força do dinheiro como mecanismo potencializador de qualquer tipo de consumo, tem-se a premissa de que “o consumo consome o consumidor”, como diz Frei Betto, em “A Mosca Azul”.

Diante disso, uma pergunta se apresenta como pertinente: como produzir mais para satisfazer desejos e necessidades de consumo ilimitadas se há visivelmente limites e pré-condições impostas pela natureza que impossibilitam essa produção em escala crescente?

Como existe o desejo em prontamente atender às necessidades mercadológicas impostas pelo apelo consumista, primeiramente, em respeito ao bom senso, deve-se ter em conta aquilo que Clóvis Cavalcanti, uma das vozes mais altas da economia ecológica no Brasil, chama a atenção com bastante veemência: “mais economia implica menos ambiente”.

Como é verossímil o fato de que o consumo consome o consumidor, a “macroeconomia do consumo” também consome a natureza e, por esse “consumismo” desenfreado de recursos naturais e energéticos (limitados, finitos).

Mais produção material se traduz em mais emissões de gases de efeito estufa (GEE), contribuindo para aquecer ainda mais o planeta. É imprescindível conter o total dessas emissões, caso contrário, elevando-se a temperatura média do planeta teremos mais enchentes, derretimento de geleiras, mais secas.

Na esteira dessa análise, a economia tradicional beira a cegueira e incorre no crasso e estúpido erro ao não diferenciar crescimento (quantidade) de desenvolvimento (qualidade).

De um lado, têm-se a receita tradicional da macroeconomia keynesiana: buscar o crescimento econômico para atenuar os desequilíbrios em relação à taxa de emprego, renda e outras grandezas econômicas. Do outro, têm-se a questão ecológica que ressalta a não existência de recursos naturais em quantidades disponíveis para a ocorrência desse tal crescimento.

O que não se coloca claramente nesse debate é que crescimento econômico, como diz Ricardo Abramovay, em “Muito Além da Economia Verde”, não é uma fórmula universal para se chegar ao bem-estar. Não se nega a importância do crescimento da economia; o que não se pode é fazer dele uma “finalidade”, pois o mesmo é apenas um “meio” para que a vida econômica prospere.

Inequivocamente, uma maior produção econômica irá derrubar mais florestas, agredir o solo, usar-se-á mais água, ar, energia, e teremos, com isso, mais aumentos de emissões globais de (GEE), colocando a vida em risco pelo desequilíbrio climático.

A insistência em fazer crescer a atividade econômico-produtiva além dos limites significa aumentar o intercâmbio global de produtos, base do atual e avassalador modelo de globalização que recomenda, na ponta final, que a “receita para o sucesso” é ter sempre a geladeira repleta de produtos, de preferência importados.


Ora, apenas como exemplo, cabe apontar que é simplesmente insano fazer com que um ketchup vindo dos Estados Unidos “viaje” mais de 10 mil quilômetros para chegar ao mercado brasileiro, quando o mesmo poderia ser produzido domesticamente e “viajar” menos de 1.000 km para chegar às mesas dos brasileiros.

No entanto, para esse modelo de globalização que corre às soltas, atestando que o produto importado é a característica mais visível da modernidade, pouca relevância tem o gasto energético envolvido nessa “viagem” do ketchup. Para os árduos defensores da globalização, pouco importa se isso é altamente agressivo sobre o meio ambiente e potencialmente gerador de CO2.

Vejamos outro exemplo de como o consumo consome o consumidor e, junto a isso, como a economia consome a natureza, pondo a estabilidade climática à beira do precipício: a fruta nectarina produzida em Badajoz, na Espanha, “viaja” quase 400 quilômetros de caminhão queimando combustível até chegar a Portugal, no Porto de Lisboa. De lá vem ao Brasil, chegando ao Porto de Santos vinte dias depois. Alguém consegue imaginar o quanto foi gasto em termos energéticos nesse processo? Isso é inadmissível numa sociedade que já consome em energia e recursos o equivalente a um planeta e 1/3.

Acatar esse modelo de consumo desenfreado “patrocinado” pela macroeconomia da destruição da base natural e “propagandeado” por uma estrutura midiática que movimenta bilhões de dólares e se legitima por gordos lucros é continuar jogando terra sobre a capacidade de se obter desenvolvimento sustentável. Ao contrário: isso apenas reforça a ideia mercadológica e potencializa o triste fato do consumo consumir o consumidor possibilitando a chegada mais rápida da era do caos em termos de qualidade de vida relacionada aos serviços ecossistêmicos.
Economista. Mestre pela USP, com passagem pela Universidade de Havana (Cuba) | prof.marcuseduardo@bol.com.br

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