terça-feira, 4 de março de 2014

Buñuel perseguido pelo FBI

Exilado em Nova York do franquismo, o diretor foi mantido 30 anos sob vigilancia constante.
Por Marco Lacerda*
Durante três décadas o cineasta Luis Buñuel foi seguido pelo FBI, sua correspondência pessoal violada e todo o seu círculo de amigos esquerdistas nos Estados Unidos mantido sob controle. Em 1988 os documentos que comprovam tal vigilância foram liberados pela agência, permitindo que viesse a público o controle a que o cineasta español foi submetido durante os anos em que vive em Nova York e Los Angeles (1938-1946).
Nessa época, toda vez que pedia um visto para visitar os Estados Unidos, era necessária a aprovação do FBI, dirigido por Edgar Hoover de 1924 até a presidência de Richard Nixon. O dossiê de Buñuel demonstra a violencia ao diretor de cinema se estendeu de 1941 até 1971 contendo pelo menos 31 informes sobre suas atividades no país, além de petições e resoluções algumas das quais assinadas por seu todo-poderoso e temido chefão.
Mesmo não sendo considerado um indivíduo perigoso, a lupa do FBI o acompanhava onde quer que ele fosse. Do seu círculo de amizades o mais visado era o poeta español Rubia Barcia,colaborados de Buñuel . Os demais nome de vigiados foram eliminados do dossiê.
Buñuel passou a viver em Nova York depois de ter sido contratado pela cinemateca do Museu de Arte Moderna como montador e documentarista. Seu primeiro pedido de residencia, no entando, foi negado, mas o cineasta recorreu da decisão e acabou recebendo a permissão, a pesar dos protestos veementes do Hoover que o consideraba um comunista por suas ligações com o Governo da República durante a Guerra Civil espanhola.
O FBI não voltou a molestar Buñuel até 1945, dois anos depois de ser forçado a renunciar ao seu cargo no MoMA por causa de um incidente nunca explicado envolvendo o pintor Salvador Dalí. Os agentes encarregados da sucursal do FBI em Los Angeles sempre foram meticulosos no controle do cineasta, na época chefe dos dubladores de filmes em espanhol da Warner Brothers.
Um Oscar para o espião
Os documentos colecionados pela agência de investigação continham idade, peso, altura, cor dos cabelos e endereço de Buñuel e Barcia, ambos qualificados como apátridas e registra como uma característica particular do cineasta o fato de mancar, pois sofría de problemas ciáticos e às vezes caminhava com a ajuda de uma bengala. Um espião infiltrado no grupo de Dom Luis relata num dos informes que numa discussão foi verbalmente atacado por defender o regime democrático capitalista americano. Outros agentes secretos delatam Buñuel como arrebanhador de simpatizantes ao regime soviético e de arquitetar uma campanha anti-semita dentro dos Estados Unidos.
A partir de 1945, com autorização de Edgar Hoover a correspondencia de Buñuel começa a ser interceptada e descobre-se que, depois de assistir ao filme “Hotel Berlim” ele o descreve como propaganda americana e que a Alemanha jamais cometeu as atrocidades de que foi acusada durante a II Guerra Mundial.
Pouco depois o FBI levantou suspeitas de que o cineasta seria pró-soviéticos para logo em seguida acusá-lo de pró-nazistas, numa cascata de denuncias confusas e contraditórias engendrada pelo próprio Buñuel para confudir seus perseguidores. Na verdade o cineasta esperava apenas a queda de Franco para retornar à Espanha.
A vigilancia só é interrompida em 1973, quando a Academia de Hollywood lhe concede o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por aquela que é considerada uma de suas obras-primas, “O discreto charme da burguesía”, ao lado de “Viridiana”, “O fantasma da Liberdade” e “A bela da tarde”, que alçou Catherine Deneuve ao estrelato.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total.

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