Na minha Macondo, os sonhos se realizam à custa de golpes baixos e assaltos aos cofres públicos.
Por Carlos Eduardo Leão*
Meus amigos, hoje acordei decidido a fazer um ensaio no "Realismo Fantástico". Aquele mesmo do Gabo, do Jorge Luís Borges, do Murilo Rubião e tantos outros desta instigante escola literária nascida no início do século passado. E toda estréia é tensa. Será que vou agradar? Será que terei quórum suficiente para me manter entre as mais lidas do dia? E os que me lêem? Serei aprovado? Não importa, amigos. Estou mesmo compelido a tentar. Despretensiosamente, claro.
O Realismo Fantástico emprega no seu estilo aspectos e fatos mágicos surreais vistos pelos personagens como algo normal e convencional cuja estética mistura fantasia com o real e o cotidiano com elementos fantásticos que, no contexto, fazem parte da história sem a necessidade de uma explicação plausível para os fatos acontecidos. Como a noção do tempo é meio distorcida, o presente pode se repetir inúmeras vezes sem alterar muito o conteúdo do conto ou do romance.
Então vamos lá. São duas historinhas. A primeira começa no belo e longínquo condomínio, "Aldeias de Macondo", onde Pedro é vizinho de João. Numa radiante manhã, João acorda e vê um "show" de lancha no píer de Pedro. Cabinada, três suites, cinqüenta e cinco pés e, ainda por cima, zerada, que levou R$ 100 mil da conta de Pedro. Sabidamente emergente, João, de uns tempos pra cá, se achava. Mesmo sem gostar muito e sem precisar de lancha para ser feliz, bateu nele uma vontade imperiosa e, sobretudo, estranha em adquiri-la.
Após pensar e repensar como fazê-lo, João foi ungido por uma boa idéia. Foi até Pedro e propôs uma sociedade. Pedro não relutou. Preparou o contrato. Caberia então a João metade do investimento feito por Pedro, ou seja, R$ 250 mil. João aceitou numa boa mesmo sabendo que numa das cláusulas do contrato dava a Pedro o direito de desistir da sociedade obrigando João a pagar a outra metade.
E assim foi feito. Alguns tempo se passou e Pedro, desgostoso, resolveu sair da sociedade. Foi até João que, impassível, pagou a outra metade: R$ 700 mil. A vizinhança estava feliz pelo feito de João, agora realizado pela propriedade de uma lancha que singraria o oceano de seus sonhos incógnitos e inexplicáveis. Apenas para alguns mais esclarecidos moradores de "Aldeias de Macondo" esse fato gerou mal estar, logo desfeito pela esposa de João, dona da casa, portadora fiel da chave do cofre do casal que jurou aos horrorizados que nada sabia sobre uma possível incoerência entre as cifras apresentadas por Pedro. Afinal, Pedro sempre pareceu idôneo, mesmo que somente aos olhos maternos. E foram todos felizes para sempre...
A segunda historinha fala de Dedé, Didi, e Gege que são amigos há 40 anos. Sempre do contra, passaram a vida toda reclamando. Sentiam-se marginais, excluídos, vítimas de bulling e preconceito pelas suas bandeiras e escolhas político-sociais. Até que um dia, dentro da máxima "água mole em pedra dura..", conseguiram ser alguém na vida. Esqueceram-se, porém, que a vida tem outras máximas, muitas vezes impiedosas como a "quem nunca comeu melado..."
Lambuzaram-se tanto que foram presos por terem surrupiado o povo de Macondo, seu país de origem. E por isso foram, além da jaula, condenados a pagar pesadas multas aos cofres macondenses. Não se fizeram de rogados. Fizeram sim o que melhor sabem. Subtraíram novamente do seu povo, desta vez escancaradamente através da Internetoduto, via pela qual, em 24 horas, amealharam fortunas que 90% da população macondense não verá em toda sua existência terrena. Redimiram-se do erro do "quem nunca comeu melado" e se beneficiaram daquela outra inexorável de que "todo dia acorda um bobo e um esperto..." E, de máxima em máxima, foram felizes para sempre, cantando loas aos braços estendidos e punhos cerrados.
Em tempo: "Macondo fica aqui e ali. Nosso ponto pacífico, nossa linhagem de solidão. Pode ser seu quarto, pode ser que não. É lugar grande, fora do mapa. Ache-me aqui quando quiser. Sente-se, estique as pernas e me fale de felicidade". (Amaranta Buendia)
Aos que me lêem, qualquer semelhança das historinhas com a compra de "Pasadena" ou com o "vaquinha" para se pagar dívidas de mensaleiros não é mera coincidência. É apenas a força da literatura que no "Realismo Fantástico" parece amenizar o descalabro, a sem-vergonhice, e o despudor com a coisa pública vividos no "Triste Realismo".
*Carlos Eduardo Leão é médico e cronista.
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