Uma farra gastronômica entre amigos, nos melhores restaurantes de O Porto e Lisboa
Por Luiz Sérgio Toledo*
Portugal é um país onde se come bem, bebe bem e a gente é agradável. Com a vantagem de ficar “perto” da Europa. Há dez anos ganhei a minha cidadania européia, graças ao meu avô português, pai da minha mãe. De lá para cá tenho visitado Portugal constantemente e a cada viagem fico mais encantado com o país. Vindo de Dubai o contraste não poderia ser maior. Séculos de cultura transbordam pelas paredes, cada pedra do caminho tem uma história rica e interessante.
Já vim a Portugal várias vezes, mas esta foi a quinta viagem com um grupo de amigos brasileiros. Chamamos a essa escapada de zingarata. A idéia é baseada em um filme italiano chamado Amici Miei, uma comédia de Mario Monicelli de 1975, com Ugo Tognazi, Adolfo Celi, Phillipe Noiret e outros. São amigos que abandonam suas vidas normais e partem para uma semana de viagem, divertindo-se ˙a custa dos outros e de si mesmos. O objetivo da nossa viagem é principalmente comer e beber bem, nos melhores restaurantes de Portugal. Desta vez foram 14 refeições em sete dias entre o Porto e Lisboa. Os restaurantes não têm de ser necessariamente caros, mas têm que ser da melhor qualidade culinária. É claro que nosso grupo tem muito em comum, além do gosto pela culinária e quando nos encontramos não é apenas para comer e beber bem. É claro que as conversas são o melhor de tudo.
No Porto, o primeiro ponto alto foi um restaurante tradicional, ao qual sempre vamos, chamado Portucale. A comida é excelente (exxxelente, como eles dizem) e foi lá que tomamos uma garrafa de Chateau Mouton Rotschild 1982. Quem conhece vinho sabe do que estou falando, talvez do melhor vinho de todos os tempos. No dia seguinte pela manhã fizemos uma visita `a fábrica de vinho do Porto Graham, onde fizemos uma prova de 7 portos diferentes. Em seguida partimos para o almoço na Feitoria.
A Feitoria Inglesa é um edifício localizado na Rua do Infante Dom Henrique. O edifício construído entre 1785 e 1790, de acordo com um projeto do cônsul inglês John Whitehead, a Feitoria Inglesa é a única Factory House que sobreviveu até à atualidade das diversas que existiam em todo o mundo. Como temos entre nós editors de revistas gourmet, gente que viaja várias vezes por ano para provar vinhos e comidas pelo mundo, a Factory House da Graham abriu as portas e nos recebeu para um almoço especial. Ao chegarmos fomos recebidos com um exemplar original do The Times de 100 anos atrás, uma tradição da casa, que tem toda a coleção do jornal. O genial almoço foi seguido de puros, um dos poucos lugares civilizados onde ainda se pode fumar charutos apos as refeições.
Em Lisboa o ponto alto ficou dividido entre dois restaurantes de estilos completamente diferentes. Um é o Belcanto, sob nova direção do chef José Avilez, que já tem quatro restaurantes na área do Chiado. José modernizou o Belcanto, que tem esse nome por ficar em frente ao Teatro São Carlos, e onde o pessoal ia depois da ópera. As porções são pequenas mas deliciosas. O prato de entrada tradicional do Belcanto, os “Ovos `a Professor”, uma mistura de ovos na manteiga, chouriço e pão torrado, ficaram menores e com menos manteiga, mas continuam sensacionais. Trata-se de uma receita em que o segredo está no calor do lume e no tempo de mistura dos ovos. Se desandar vira ovos mexidos. Cito apenas a entrada, mas a experiência gastronômica e enológica com o Avilez é sempre inesquecível.
Finalmente o English Bar, no Alto Estoril. O bar hoje se chame Cima’s Restaurante e está com essa família de galegos, os Cima Sobral, há décadas. O Bar foi fundado por espiões ingleses durante a segunda guerra, e se você assistiu Casablanca sabe da importância dos vôos que saiam de Casablanca para Lisboa e daí para os Estados Unidos levando os refugiados. O José Manoel Cima Sobral é hoje auxiliado por sua filha Sara, e foram eles que nos receberam na porta do English Bar. Experimentamos vários pratos e vários vinhos. O Sr. Cimas abriu alguns Collares 1967 (pré-filoxera) e provou o vinho antes de trazer `a mesa. Não aprovou duas garrafas e somente nos serviu a terceira, que estava impecável. Angulas ao alho abriram os trabalhos, seguidas de galinhola. Agora é época de galinhola e o Cimas tem a caça como uma das especialidades. Ele preparou as galinholas na mesa. Galinhola é bécasse em francês, woodcock em inglês. Um pássaro migratório que vem da Escócia, muito saboroso e de comer rezando.
Muita gente acha que na França é onde se come bem, outros acham que é na Itália, mas Portugal é uma maravilha. E além da comida tem a amizade tradicional com os brasileiros, a cultura e o modo de vida parecido. Numa época em que é moda reclamar do Brasil, quando se diz que a saída para o Brasil é o aeroporto Antonio Carlos Jobim (Guarulhos está um inferno), vir a Portugal é entender um pouco da nossa origem, o bom e o ruim da nossa raça. Tudo o que somos é apenas uma cópia piorada de Portugal. Como disse Nelson Rodrigues sobre o Brasil, “sub-desenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos!”
Luiz Sérgio Toledo é cirurgião plástico, mora em Dubai e está em Lisboa numa zingarata
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