sexta-feira, 23 de maio de 2014

Fred Paiva lança coletânea de reportagens

Livro revela a escrita refinada e irônica do jornalista e apresentador de 'O Infiltrado'.

Por David Paiva*
Em agosto de 1996, meu filho Fred formou-se em Jornalismo na PUC, em Belo Horizonte; antes de procurar emprego, viajou para São Paulo, com cara de quem não voltaria. Fora selecionado para o Curso Abril, que recrutava novos jornalistas nas universidades. Só para o curso, ficaria fora nos próximos seis meses. A mãe, Vera, conforme o manual das mães, estava apreensiva; da minha parte, segundo o manual egocêntrico dos pais, estava muito feliz:  jornalismo era a profissão que queria para mim mesmo.
Fred tinha 24 anos. Uma vez no Curso Abril, que encaminha seus alunos, em pequenos grupos, para estágio nas várias revistas da editora, foi designado para “Playboy”. Ele era um estagiário de redação, não de fotografia, nem de arte – por isso mesmo, “Playboy” era o que havia de mais desejável na época. Trabalhavam lá alguns dos jornalistas de textos mais brilhantes da imprensa brasileira: Humberto Werneck, Nirlando Beirão, Guilherme Cunha Pinto (que morreu prematuramente logo depois), Marcos Emilio Gomes, Ivan Marsiglia; o diretor de redação era Ricardo Setti.
Agora, dezoito anos depois, Fred (ou Fred Melo Paiva) lança seu segundo livro, “Bandido Raça Pura” (amanhã, sábado, na Livraria Quixote, em Belo Horizonte, e terça na Livraria da Villa, em São Paulo). É uma coletânea de textos jornalísticos cuja maior parte foi publicada originalmente no jornal “Estado de S. Paulo”; a seleção pessoal da sua melhor produção na carreira marcada definitivamente pela influência daquele “dream team” no qual estagiou.  Fred amadureceu e aprimorou, ali e em momentos seguintes, como a direção de redação da “Trip” e da “Tpm”, uma escrita refinada que ao mesmo tempo ri, ironiza e até mesmo fere. O estagiário de 1996 somou à elegância do texto amadurecido ao lado de Humberto Werneck, por exemplo, com quem trabalhou mais próximo, a vertente mordaz, a agressividade adestrada que ele próprio atribui à influência punk (música e estilo que curte desde a adolescência). Nasce assim o estilo tão pessoal que se realiza num texto capaz de ser instrumento ágil e divertido, belo e cortante. É como se as nuances e a riqueza sensual do tango tivessem incorporado o espírito punk nesse concerto de palavras.
Nos seus quatro universos retratados, “Bandido Raça Pura” traz gente famosa como o arquiteto Niemeyer, em quem se percebe a velhice descambando para a arrogância vulgar, ou a atriz Cleo Pires com sua  “boca controversa”; há os notáveis anônimos como a fila do passaporte, na sede da PF em São Paulo, onde se aglomeram sonhos, esperanças e angústias humanas. E também o incrível Jonatas, jovem amazonense criado à beira da selva e que no entanto se perdeu nos seus mistérios e cipós. A personagem narrativa, longe do jornalismo convencional do “onde, quando e como”, pode ser, por exemplo, a favelada que, num monólogo, dá boas-vindas à sua nova vizinha, a empresária Eliana Tranchesi, dona da loja Daslu, que acaba de inaugurar em frente à favela o mais excessivo e acintoso templo de consumo de luxo do país.
Outros bichos e coisas também assumem a narração, como o labrador Boris, guia de cegos que apresenta suas memórias póstumas. E o texto nos enternece com as aventuras dos urubus da Bienal; com as histórias da Velha Varig guardadas por três antigas comissárias de bordo, ou com o pitt-bull salvo pelo esporte de uma vida de matador.  Em todo o seu trabalho, Fred nos oferece uma receita de “New Jornalism”, que troca regras elementares e frias do relato jornalístico em favor da aproximação com a liberdade expressiva da literatura.
O livro tem prefácio do jornalista Ricardo Setti, que imagina uma situação inusitada. O “Estado de S.Paulo”, jornal tradicionalíssimo, monumento do conservadorismo paulistano, tem na sua sede um corredor onde se exibem as fotos de veneráveis personalidades que dirigiram o jornal. Setti pensa na reação daqueles vetustos senhores e seus bigodes quatrocentões diante de licenças que Fred se permite, como escrever pela primeira vez, naquelas páginas centenárias, a palavra “bunda”. São licenças que procuram a verdade mais funda, que um conjunto neutro de regras dificilmente alcança.
SERVIÇO
Lançamento de ‘Bandido Raça Pura’, de Fred Paiva (Ed. Arquipélago, 255 pgs, R$ 34,90)
Local: Livraria Quixote
Endereço: R. Fernandes Tourinho, 274, Savassi, BH)
Horário: a partir das 11h
Informações: (31) 3227-3077
*David Paiva é articulista do DomTotal. Escreve às sextas-feiras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário