Na poesia brasileira, o futebol também foi inspiração para nossos craques do verso.
Por Carlos Ávila*
A bola já começou a rolar em todo o Brasil – “a pátria de chuteiras”, como dizia Nelson Rodrigues (1912/1980), um craque da crônica, o pernambucano mais carioca, torcedor apaixonado do Fluminense. Para além de patriotadas e fanatismos esportivos, a Copa está aí. Mesmo aqueles que não curtem futebol acabam se envolvendo, de uma forma ou de outra, com ela. O mundo todo está ligado no “país do futebol”. Mas deveria se ligar também nos nossos craques de outros segmentos; na literatura, por exemplo, temos vários Pelés, Garrinchas e Tostões: Machado de Assis, Euclides da Cunha, Manuel Bandeira, Mário e Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto etc. Um time de primeira.
No caso específico da poesia brasileira, é interessante lembrar como o tema do futebol foi tratado pelos nossos craques do verso. Comecemos pelo Oswald de “A Europa curvou-se ante o Brasil”, onde o poeta faz uma enumeração de placares esportivos de nossa seleção (nos anos 1920): “7 a 2/3 a 1/A injustiça de Cette/4 a 0/2 a 1/2 a 0/3 a 1/E meia dúzia na cabeça dos portugueses”. É sintético e radical (há nele uma referência à derrota sofrida pelos brasileiros à época, na cidade francesa de Sète – antiga Cette).
Drummond tem vários poemas em que aborda o futebol. Segundo o poeta, futebol se joga não só no estádio, mas também na praia, na rua e “na alma”: “A bola é a mesma: forma sacra/para craques e pernas-de-pau./ Mesma a volúpia de chutar/ na delirante copa-mundo/ou no árido espaço do morro”. João Cabral – que foi campeão juvenil de futebol pelo Santa Cruz, em 1935, e era torcedor do América Futebol Clube, em Recife – tem, igualmente, alguns poemas futebolísticos. Evocando o futebol brasileiro da Europa (o poeta era diplomata e viveu muito tempo no exterior), Cabral escreve que “a bola não é inimiga” e deve ser usada com malícia e atenção, “dando aos pés astúcias de mão”. Dedicou um dos seus poemas ao grande craque Ademir da Guia, definindo assim o seu futebol: “Ademir impõe com seu jogo/o ritmo do chumbo (e o peso)/da lesma, da câmara lenta/do homem dentro do pesadelo”.
Muitos outros poetas brasileiros também abordaram o futebol em suas obras: Vinicius de Moraes no soneto “O anjo de pernas tortas”, falando de Garrincha; Affonso Ávila no epigrama “Mineirão” e na sua “Cantiga do Rei Pelé”; Ferreira Gullar no poema verbal “Gol” e Décio Pignatari no poema visual “Gogogogol”. Em “Anatomia do Gol”, Haroldo de Campos afirma que “jogar um/jogo/é como/jogar o jogo/da pintura ou/do poema”.
Recentemente, em BH, Mário Alex Rosa reuniu, mais uma vez, um time de poetas na publicação “Pelada Poética” (da Ed. Scriptum). O único problema é que Mário é cruzeirense (e o autor desta crônica atleticano)... Nobody is perfect! Mas o que importa são os gols no campo, ou melhor, nas páginas – de muitas peladas pode acabar saindo um Pelé.
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto Sentido e Área de Risco (poesia); Poesia Pensada (crítica) e Bri Bri no canto do parque (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.
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