sexta-feira, 13 de junho de 2014

Questões políticas e sociais entrarão em campo

54% dos brasileiros dizem que organização do torneio trará ao país mais prejuízos do que ganhos.

Enrolada em uma bandeira verde-amarela, Ana Carmo, proprietária de uma banca de jornais de São Paulo, diz estar pronta para a Copa do Mundo, esperando da seleção um grande Mundial.
"Eles estão pressionados. Têm a obrigação de ganhar", afirma Ana, de 35 anos, que decorou sua pequena banca com uma grande bandeira brasileira.
Em busca do hexacampeonato, Neymar e companhia têm pela frente o desafio de levantar o ânimo de uma nação insatisfeita com os milhões gastos na construção de estádios, que, para muitos, deveriam ser destinados a investimentos em saúde e educação.
Ana Carmo está feliz pelo fato de os brasileiros terem uma oportunidade de brilhar em casa, mas não esconde algum descontentamento.
"O Brasil investiu e perdeu bastante com os custos (do torneio). Eles têm que ganhar bonito. A Copa é no Brasil. Não podemos perder", declarou com um sorriso otimista.
Dupla pressão
Após a euforia inicial pela escolha do Brasil em 2007 para receber a Copa, o apoio popular ao torneio caiu em meio aos atrasos na construção de estádios e na formação de uma infraestrutura de transporte adequada, que fizeram a conta chegar a 11 bilhões de dólares.
Uma pesquisa publicada no fim de semana passado pela empresa Datafolha reflete o otimismo do Brasil em relação à equipe e o pessimismo sobre o legado da competição: 68% acreditam que o Brasil vai ser campeão, mas 54% dizem que organizar o torneio trará ao país mais prejuízos do que ganhos.
Alguns torcedores lançaram uma advertência à seleção brasileira na última sexta-feira, ao vaiarem o Brasil durante a partida que terminou com uma vitória sofrida de 1 a 0 sobre a Sérvia, em um amistoso de preparação para a Copa disputado no Morumbi.
Marcos Guterman, autor do livro "O futebol explica o Brasil", disse que os jogadores sofrem "uma pressão dupla, muito maior do que em circunstâncias normais".
"Com estes problemas, a pressão é dupla", disse Guterman à AFP.
"O humor do torcedor brasileiro, o espírito do torcedor brasileiro vai depender do desempenho da seleção. Depende do Neymar e depende do conjunto da seleção", afirmou.
Futebol político
Também há muito em jogo para a presidente Dilma Rousseff, que pode enfrentar a ira do país se o Brasil for eliminado da Copa antes da final de 13 de julho, no Maracanã.
Dilma, que é candidata à reeleição em outubro, defendeu a realização do torneio no Brasil, e insiste que os investimentos em infraestrutura beneficiarão os brasileiros durante anos.
Mas muitos projetos foram adiados e custaram muito mais do que havia sido previsto.
"Neste Mundial, a política e o futebol estão muito atrelados", declarou José Paulo Florenzano, professor de Antropologia da Universidade Católica de São Paulo.
"Tudo pode acontecer. Uma boa campanha da seleção pode despertar um sentimento patriótico e abafar os protestos. Já o inverso, uma eliminação inesperada, pode precipitar uma onda de protestos", disse à AFP.
O humor nacional está em baixa. Os brasileiros esperaram mais do que o normal para decorar suas ruas, casas e carros com bandeiras brasileiras, e a ameaça de mais protestos projeta uma sombra de incerteza sobre a Copa.
Na Copa do Mundo de 1970, a ditadura militar aproveitou a obsessão da nação com o futebol para distrair a população de suas preocupações cotidianas, explicou Pablo Azevedo, um especialista em Administração do Esporte na Universidade de Brasília.
Após um desempenho decepcionante no Mundial de 1966, o governo apoiou preparações inéditas para a equipe nacional que incluíam o início do treinamento muito antes da competição e partidas na altitude para que os jogadores se adaptassem às condições na Cidade do México na Copa de 70.
"O Brasil ficou mais de um ano comemorando a vitória", disse Azevedo.
Mas os analistas dizem que Dilma terá apenas algum tempo de calma se o Brasil conquistar a Copa, já que, devido à campanha eleitoral, deverá enfrentar as preocupações do eleitorado pouco depois do torneio.
"Teremos uma trégua de alguns dias, talvez semanas", acrescentou Guterman. "Mas a realidade do Brasil segue ali. Ainda há tensão sobre a situação econômica e social".
Enquanto organiza as revistas em sua banca, Ana Carmo está otimista de que uma vitória do Brasil dará ao país o impulso necessário.
"Trará muita felicidade aos corações dos brasileiros", disse, "e se esquecerão um pouco de seus problemas".
AFP

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