sábado, 23 de agosto de 2014

Rosa de Hiroshima

Mais que ser uma estetização da crueldade, a obra de Helnwein é irônica

Gilmar P. da Silva SJ*
Um quadro de seis metros, uma cabeça de criança (Kindskopf). Quem for ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), pode se enganar com a inocência do quadro. Impressionante pelo tamanho e por parecer uma fotografia, o quadro é mais que isso. Nos olhos fechados da menina pálida, uma infância sem risos.

Quando a Segunda Guerra acabou, a Áustria estava em ruínas. O Nacional Socialismo havia sido um trauma. Foi nesse contexto que nasceu Gottfried Helnwein, pintor hiperrealista que dialoga com a cultura pop.  Quando criança, ele não entendia o silêncio dos adultos sobre o passado nem a falta de alegria que traziam. Mesmo a paisagem não tinha nada de festivo. Com a guerra, grande parte da arte e da arquitetura estava arrasada. Mais, os espíritos também estavam quebrados. A destruição e o trauma haviam tornado tudo pesado, demasiadamente sério.

É contra esse silêncio que Helnwein se levanta. Sua arte consiste em uma espécie de psicanálise. Ela traz à tona as imagens que se quer esquecer. Suas telas reportam ao horror da crueldade humana e à fragilidade dos pequenos. Por isso, em grande parte, trabalham com figuras relacionadas ao Nazismo e à infância. Ao juntar agressor e vítima, o artista expõe a cumplicidade das pessoas com o regime que vitimou milhares. Mas não só, revela a conivência humana para com o mal, ainda que seja na forma de omissão. Mais que ser uma estetização da crueldade, a obra de Helnwein é irônica. No silêncio da menina com a fronte levemente inclinada, com os olhos e boca suavemente fechados, de traços delicados e recoberta levemente de um branco pó, está toda a vitimização daqueles que perdem, pela força da violência, sua autonomia, os que são infantilizados. Nessa criança está todo pequeno e oprimido, os que têm a dignidade roubada, os direitos usurpados e a integridade, mesmo física, violada.

Entretanto, quem passar diante da tela pode não ver nada disso. Afinal de contas, criança boa é criança “quietinha”. É graciosa a figura da criança calada, modelo para todas as outras. Estas que calamos com geringonças eletrônicas ou com os produtos da indústria cultural para que sejam “boazinhas”. Afinal, a infância pode ser roubada na melhor das intenções. A saber, que a criança se entretenha e não dê trabalho. Que ela exista ao nosso lado mas não receba seus direitos, a começar pelo de ser compreendida.
 
Visões na Coleção Ludwig.

O chamariz da exposição é o quadro de Helnwein, que está, inclusive, no material de divulgação feito pelo CCBB e já estava exposta antes da inauguração da mostra. Contudo, não consite somente das obras do hiperrealista, mas da reunião de 78 obras de uma das coleções particulares mais importantes do mundo, a Coleção Ludwig.

Originalmente, o empresário alemão Peter Ludwig havia adquirido cerca de 20 mil peças que, depois, foram distribuídas em 12 Museus em países como Alemanha, Suíça, Hungria, Rússia, Áustria e China. As que desembarcaram em Belo Horizonte são procedentes do Museu Estatal Russo de São Petersburgo. Fazem-se representar grandes nomes da Pop Art, New Image Painting e Pattern and Decoration, Graffitti, Hiperrealismo, Neoexpressionismo alemão e obras produzidas em contextos geopolíticos diverso que exerceram atração sobre o olhar do colecionador Ludwig. Talvez os artistas mais conhecidos da exposição sejam Andy Warhol e Pablo Picasso.
Duração: 20/08 a 20/10

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.

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