quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Por que você vai a santuários?

Provavelmente, a resposta não é feita de muitas palavras, mas do brilho do olhar do peregrino.

Por Dom Murilo S.R. Krieger*

"Por que vieram a este santuário?" Minha pergunta, um tanto inesperada, deixou o grupo de peregrinos surpreso, ainda mais que não me conheciam. Não me foi fácil explicar que não lhes estava cobrando nada; apenas desejava conhecer as motivações que os haviam levado àquele centro de peregrinações em que nos encontrávamos.
Sempre me impressionaram as grandes multidões que acorrem a santuários mundialmente famosos como Lourdes, Fátima, Guadalupe e Aparecida. Interesso-me também pelos peregrinos que se dirigem a santuários regionais, como é o caso do Santuário do Senhor Bom Jesus da Lapa e, para lembrar os nossos, os santuários do Senhor Bom Jesus do Bonfim e de Nossa Senhora da Conceição da Praia.
A pergunta: “Por que vieram a este Santuário?” poderá ser feita aos peregrinos de qualquer desses locais sagrados. As respostas que obtivermos não serão muito diferentes das que ouvi lá onde eu estava: “Sinto-me bem aqui!”; “Venho renovar a minha fé”; “Estou pagando uma promessa”; “Quero passar algumas horas em profunda oração” etc.
Provavelmente, ao ouvir isso, veremos também a multiplicação de gestos: mãos fazendo desenhos no ar, tentando completar o que as palavras não conseguem exprimir.
A história de cada peregrino é única, é original. Seus sentimentos, contudo, confundem-se com os dos peregrinos do Templo de Jerusalém - e Jesus foi um deles! (cf. Lc 2,41-52).
O Salmista assim resumiu sua experiência de peregrino: “Como são amáveis tuas moradas, Senhor dos exércitos! Minha alma desfalece e suspira pelos átrios do Senhor. Meu coração e minha carne exultam no Deus vivo. Até o pássaro encontra casa e a andorinha o ninho onde pôr os filhotes, junto a teus altares, Senhor dos exércitos, meu rei e meu Deus. Feliz quem mora em tua casa: sempre canta teus louvores” (Sl 84/83,2-5).
Sintetizando o significado dos santuários na vida da Igreja, o Papa São João Paulo II destacou que eles se caracterizam por serem centros de atração e irradiação (cf. RM 28). Centros de atração: pessoas, grupos ou comunidades sentem uma irresistível vontade de visitá-los ou de renovar a experiência que fizeram numa visita anterior. Quando se trata de santuários marianos, os peregrinos buscam o encontro com a Mãe do Senhor, “aquela que é feliz porque acreditou”, segundo Isabel. Os santuários são centros de irradiação: quem visita um deles com espírito de peregrino, sente-se bem e sai renovado, testemunhando, normalmente de forma silenciosa, a alegria de sua fé. É que no centro deles encontram-se os sacramentos da penitência e da eucaristia.
Para apresentar o rosto da Igreja, o Concílio Vaticano II (1962-1965) utilizou-se de belíssimas expressões; uma das que mais se popularizou é a que a apresenta como o povo de Deus em marcha para a casa do Pai. O peregrino de qualquer santuário é um símbolo desse povo que não tem aqui na terra morada permanente, mas sente ser seu dever trabalhar para que todos possam viver plenamente, já aqui na terra, sua dignidade de filho ou filha de Deus.
Os leigos estão particularmente ligados à vida dos santuários. São eles que organizam a maioria das peregrinações, dão vida às celebrações e transformam esses ambientes em uma festa perene. Sabem que vão ali por um breve tempo, mas o vivem com tal intensidade e em comunhão tão profunda com Deus e com os irmãos que, ao começarem o caminho de volta, surpreendem-se com a pergunta: “Quando será que voltarei?”
“Minha alma desfalece e suspira pelos átrios do Senhor”, dizia o Salmista. O peregrino de hoje sente também arder seu coração pela oportunidade de um encontro especial com o Pai, por Cristo. Por isso, ao visitar qualquer santuário, pergunte a um peregrino: “Por que você veio aqui?” Provavelmente, a resposta que receberá não será feita de muitas palavras; também não ouvirá uma explicação intelectualizada. Mas, se estiver atento aos gestos e, particularmente, ao brilho do olhar do peregrino, captará um pouco do mistério vivenciado não só por ele, mas pelos peregrinos de ontem, de hoje e de sempre.
CNBB, 01-09-2014.
*Dom Murilo S.R. Krieger é arcebispo de Salvador (BA).

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