terça-feira, 28 de outubro de 2014

A síndrome do canteiro de obras

28/10/2014  |  domtotal.com

A ausência de debate em torno de questões de mobilidade, meio ambiente, entre outros, me deixou estupefato.

Por Ricardo Soares*

Ainda com a acalorada campanha presidencial em curso, reparei – e muitos outros brasileiros também – a absoluta despreocupação dos candidatos em relação a temas ambientais. Isso para não falar na questão da cultura e outros temas mais humanistas. Como se o Brasil fosse discutido sempre só ao redor da perspectiva de que somos um imenso canteiro de obras. Uma fornalha que tem que gerar estradas, pontes, viadutos, usinas, prédios e indústrias para gerar empregos e bombar o consumo, encher os shoppings, lotar o país de edifícios e empreendimentos milionários que cozinhem os nossos miolos com o calor provocado pela ausência de árvores.

"Ah!", dirão os mais apressados. "Lá vem aquela lenga-lenga florestal que foi encampada oportunisticamente por um tempo pela ex- deusa da clorofila Marina Silva 'Neves'". "Ah!, lá vem mais um colunista chato a falar de verde, ecologia, sustentabilidade". Pois é. É isso mesmo. Porque quanto mais viajo pelo meu país, mais enxergo o quanto ele está sendo espoliado em seus recursos naturais. Quanto mais viajo, vejo grandes desertos povoados pela soja, pela cana, pela pecuária que derruba florestas. Quanto mais ando pelas capitais, mais as vejo verticalizadas, feias, quentes, sem vento a circular. Fiquei chocado por exemplo com o que se transformou Goiânia nos últimos dez anos em que lá não fui.

A ausência de debate em torno de questões de mobilidade, ecologia, meio ambiente, recursos hídricos, tratamento de nosso lixo, de todos os nossos resíduos sólidos, me deixou estupefato. Nenhuma palavra a respeito. Nem de Aécio, nem de Dilma. Nem para fazer um agrado aos seus milhões de possíveis eleitores jovens que prezam o tema. A impressão é que os dois estavam se candidatando a presidência de um país que não é o Brasil.

Todos os dias as invasões imobiliárias destroem áreas verdes. Todos os dias a floresta encolhe e a madeira ilegal é comercializada. Todos os dias os rios morrem, a água escasseia, as esperanças ambientais se esvaem. E o que fazemos efetivamente para coibir abusos? O que fazemos para ter um ministério do meio ambiente e secretarias ambientais mais empoderadas? Dizer que quando o poder público se tocar da tragédia é tarde demais é um tremendo clichê. Mas será que nossa Dilma, agora reeleita, não pode rever sua lógica desenvolvimentista e pensar, por exemplo, no futuro do seu neto? Roguemos, pois, que uma verdadeira luz verde ilumine o segundo mandato de Dilma Roussef.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Foi cronista dos jornais "O Estado de S.Paulo", "Jornal da Tarde" e "Diário do Grande ABC".

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