Em “Nicolau e Alexandra – O relato clássico da queda da dinastia Romanov” (Rocco, 608 pgs. R$ 59,90), o historiador americano Robert K. Massie, vencedor do Prêmio Pulitzer e também autor de uma biografia de Catarina, a Grande e diversos livros sobre a Primeira Guerra, reconstitui uma das páginas mais impressionantes da Revolução Russa: a prisão e o brutal assassinato do czar Nicolau II, da imperatriz Alexandra Feodorovna (née de Hesse, sobrinha da Rainha Vitória) e sua família pelos revolucionários bolcheviques, marcando o fim de uma dinastia que governou a Rússia durante três séculos.
Massie combina de forma magistral um drama familiar com uma tragédia nacional, o rigor da pesquisa histórica com a atenção jornalística a detalhes que humanizam seus personagens. Somos lembrados a todo momento pelo autor de que mesmo os acontecimentos mais espetaculares da história são protagonizados por pessoas reais, de carne e osso, às voltas com sofrimentos e escolhas comuns e frequentemente alheias às forças sociais que se movimentam ao seu redor. O que Massie faz é lançar uma luz retrospectiva sobre essa relação dialética entre o individual e o coletivo, entre a micro e a macro-história, estabelecendo laços entre o duplo crepúsculo de um império e de uma família.
É impossível para o leitor, por exemplo, não ser solidário à dor de Alexandra diante do sofrimento do filho hemofílico, Alexei, herdeiro do czar, mimado pelos pais e pelas quatro irmãs mais velhas. Crescentemente frustrada com os médicos e tratamentos convencionais para uma enfermidade que na época costumava ser fatal, a czarina apelou para místicos e homem santos – entre eles o monge siberiano Rasputin, louco promíscuo e visionário. Rasputin, que obteve um poder crescente sobre Alexandra – e, por extensão, sobre o destino do povo russo – também morreria assassinado, não sem antes vaticinar o extermínio de toda a família imperial.
Massie também reconstitui em ritmo de reportagem uma série de episódios sangrentos, como a “tragédia de Khodynka”, quando, nos festejos da coroação do czar Nicolau II, em 18 de maio de 1896, milhares de pessoas morreram pisoteadas em meio ao descontrole de uma multidão histérica. Mas o baile comemorativo na embaixada francesa, na mesma noite, não foi cancelado, contando com a presença de Nicolau e Alexandra, que dançaram graciosamente – ainda que a imperatriz estivesse com os olhos avermelhados de lágrimas, segundo relatos da época. O povo, porém, não se compadeceu da dor de Alexandra, odiada em todo o império. De temperamento tímido, crescentemente devota, calada e introspectiva, era descrita na corte como fria e indiferente, petulante e aborrecida, arrogante e convencida.
Nicolau é o caso típico de um homem arrastado por acontecimentos históricos que escapavam totalmente ao seu controle. Já quando o czar Alexandre III morreu precocemente, aos 49 anos, em 1894, seu filho e herdeiro, sentindo-se despreparado para os deveres da coroa, perguntou, em prantos, a um primo: "O que será de mim e da Rússia? Eu não estou preparado para ser czar e nunca o quis ser. Não percebo nada dos negócios do governo. Não sei nem sequer como hei de falar com os ministros". Sem vocação para o poder, Nicolau consolidou ao longo de seu reinado a impressão de ser um homem gentil e refinado, dedicado à família e religião, mas um péssimo governante, atento às arvores mas incapaz de enxergar a floresta.
A incapacidade administrativa e a falta de sensibilidade do czar para lidar com os movimentos que exigiam reformas no sistema político russo foram fatores decisivos para o desmoronamento do império – e para o extermínio de sua família. Nicolau seria assassinado a tiros e golpes de baioneta com toda a sua família, no dia 17 de julho de 1918, em meio ao processo de consolidação no poder de Lênin. Era o fim de uma era e o início de outra.
Em 1981 a família imperial russa foi canonizada pela Igreja Ortodoxa Russa. Os corpos do czar Nicolau II, da imperatriz Alexandra e de três de suas filhas foram enterrados na Catedral de Pedro e Paulo, em São Petersburgo, em 1998, 80 anos após seu assassinato.
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