Sem cirurgia, médica perdeu em 12 meses quilos acumulados em 25 anos.
Ela chegou a ter 137 kg; comprar roupa em 'loja normal' foi 'coisa nova', diz.
Os antigos pacientes do hospital onde a médica Cira Costa trabalha, em Brasília, não cumprimentam a pediatra quando passam por ela no corredor. Com 75 quilos a menos, a profissional de 51 anos diz que não é mais reconhecida por colegas na rua e até mesmo no ambiente de trabalho. No último ano, com atividade física, assistência psicológica e reeducação alimentar, a médica perdeu todo o sobrepeso adquirido ao longo dos últimos 25 anos.
Embora seja médica e soubesse dos riscos que a obesidade traz à saúde, Cira diz que que não tinha o menor controle sobre o próprio peso. “Eu já havia desistido. Pensava; ‘Vou ficar gorda para sempre. Vou morrer gorda. Ser magra não é para mim”, diz. “É um pouco até de fraqueza mesmo. Achava que tinha que emagrecer, mas vivia em conflito. Sofria com isso, sabia do risco, mas não conseguia sair daquele ciclo. Estava num descontrole que me sentia no fundo do poço, mas não conseguia dominar isso.”
A médica conta que, com o passar dos anos, foi se acostumando a perder as roupas e a lidar com os inconvenientes com o qual uma pessoa fora dos padrões tem que enfrentar no dia a dia. “Ficava ofegante só de subir uma escada. Para estacionar, tinha que ser ao lado de uma pilastra, porque se um carro me apertasse, eu não conseguia sair. Até hoje tenho esse hábito.”
Viajar de avião também era uma verdadeira “tortura” para a médica. “Sofria dias antes, porque não só você fica muito grande e a cadeira muito pequena, como eu não conseguia fechar o cinto e precisava pedir o extensor”, lembra. “Você também percebe que está incomodando as pessoas ao seu lado. Quando viajava sozinha, torcia para não ter ninguém ao meu lado. É um sofrimento com o qual você vai se adaptando. Quando você anda por aí, vê que as pessoas olham, as crianças comentam com a mãe, e você se sente uma aberração.”
Estresse
Os quilos extras foram adquiridos ao longo de duas gestações, quando Cira tinha menos de 30 anos. A médica, no entanto, atribui o ganho de peso ao estresse, desencadeado pelas 72 horas semanais trabalhadas em três hospitais da capital.
Os quilos extras foram adquiridos ao longo de duas gestações, quando Cira tinha menos de 30 anos. A médica, no entanto, atribui o ganho de peso ao estresse, desencadeado pelas 72 horas semanais trabalhadas em três hospitais da capital.
“No hospital a gente encomenda muita comida, come em restaurante, na rua, pede sanduíche”, diz. "Ficamos ansiosos no plantão, passamos a noite acordados, superestressados. Quando saímos, pela manhã, é comum passar na padaria, comprar pão, comer um monte e dormir a manhã toda.”
“É uma profissão estressante. O aprendizado da medicina é estressante, a faculdade, a residência, a vida é estressante”, diz. “Mas não dá para separar nada. Muita gente que não é médica tem a mesma coisa. Mas acho que qualquer coisa que mexa com o emocional me encaminha para comer compulsivamente.”
Dieta
Ao longo das duas décadas e meia de sobrepeso, a médica tentou todos os tipos de dieta e chegou até a tomar remédios para inibir o apetite. Nenhum funcionou por muito tempo. Como perdeu uma amiga durante uma cirurgia bariátrica, nunca teve coragem de passar pelo procedimento. “Pensei: levo minha vida, tenho meus filhos, consigo trabalhar. Vou me arriscar numa cirurgia, ainda mais quando em obeso tudo complica?”
Ao longo das duas décadas e meia de sobrepeso, a médica tentou todos os tipos de dieta e chegou até a tomar remédios para inibir o apetite. Nenhum funcionou por muito tempo. Como perdeu uma amiga durante uma cirurgia bariátrica, nunca teve coragem de passar pelo procedimento. “Pensei: levo minha vida, tenho meus filhos, consigo trabalhar. Vou me arriscar numa cirurgia, ainda mais quando em obeso tudo complica?”
Foi a irmã quem a puxou pelo braço e insistiu que ela conhecesse uma clínica multidisciplinar que havia sido recém-inaugurada em Brasília. No local, os pacientes fazem atividades físicas, refeições, têm sessões de terapia e consultas médicas com nutricionistas.
Como parte do tratamento, a médica deixou de ingerir carboidratos com alto índice glicêmico durante um ano. “Podíamos comer iogurte e frutas, mas a dieta corta tudo que é farinha. Pão e massa, corta total”, diz. "Me acostumei, não foi tão difícil quanto pensei. Você vai se empolgando com a perda de peso. Depois me habituei muito com a dieta. Reeduquei o paladar e, com o tempo, passei a gostar mais de algumas coisas e a esquecer de outras."
Na clínica, os pacientes fazem terapia em grupo, aprendem a refletir sobre o motivo que os leva a comer compulsivamente e a reavaliar a relação que têm com a comida. Depois ou antes das sessões, comem em um restaurante que fica no mesmo espaço. As mesas são grandes e redondas, permitindo que os pacientes se sentem juntos. “O bom é que você não precisa perder tempo se deslocando da academia para o restaurante ou para o psicólogo. Fica tudo no mesmo lugar", diz. "Além disso, as pessoas se unem, se apoiam”.
“Não bebo, não fumo, mas eu como. Qualquer coisa que acontecia, eu ia comer, era algo inconsciente. Você começa a entender isso nas sessões, começa a olhar para dentro de si mesmo e a entender o que te fez chegar a esse ponto, como perdi o controle dessa forma”, diz. “Não vou dizer que está totalmente resolvido, porque acho que tem sim um componente familiar, genético. Mas tem o emocional, que é muito importante."
Para quem pesava 137 kg, não fez muita diferença ter perdido 13 kg logo no primeiro mês, afirma. “Não dá nem para perceber. Nos outros meses, vi que continuava emagrecendo e fui me animando. Quando comecei a comprar roupa em loja normal, foi uma coisa nova, porque comprava roupas há anos na mesma loja especializada”, diz. “Vestia calça tamanho 58. Agora uso 40, e caibo em uma das pernas da minha calça.”
Antes de comprar um guarda-roupa novo, Cira doou todas as roupas para a irmã de uma amiga. “Falei para ela: ‘Estou com a sensação de que não estou fazendo bem, porque quando você ganha roupa nova, não se mexe para mudar a situação.”
'Gordofobia'
Cira diz que durante muitos anos acreditou que não tinha solução para o excesso de peso e que, por esse motivo, deixou de tentar emagrecer e se acomodou à situação. Para a médica, as manifestações recentes contra a gordofobia são válidas, mas não são um motivo para desistir de perder peso.
Cira diz que durante muitos anos acreditou que não tinha solução para o excesso de peso e que, por esse motivo, deixou de tentar emagrecer e se acomodou à situação. Para a médica, as manifestações recentes contra a gordofobia são válidas, mas não são um motivo para desistir de perder peso.
“Fiquei obesa por muito tempo querendo achar que aquilo era natural. Acho que não pode discriminar, mas acho que não está certo, e falo por experiência própria, colocando a mão na minha consciência, que se adaptar à situação e achar que é normal não é bom”, diz. “Embora eu seja contra a discriminação e o preconceito, que sei que existe mesmo, acho que as pessoas não deviam se acomodar com a obesidade.”
“As pessoas acham que é fácil fechar a boca, e não é fácil, é difícil mesmo. Passei por isso. Mas a pessoa tem que procurar tratamento, tem que mudar de vida. Como falei, hoje agradeço minha irmã por não ter desistido de mim quando eu já tinha desistido. Eu estava fugindo. Eu mesma, por mim, não teria vindo. Agora, ganhei anos de vida, uma vida nova.
”
”
Nenhum comentário:
Postar um comentário