segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Papa está prestes a mudar o catolicismo

Por John L. Allen Jr.

Porque é uma personalidade tão sedutora na imprensa, o Papa Francisco diz e faz um monte de coisas que são retratadas como revolucionárias, mas que, na verdade, não são. Que os católicos não têm que se reproduzir “como coelhos”, por exemplo, é uma frase irresistível, mas que não traz nada de novo ao ensinamento oficial.
Este último sábado, no entanto, configura-se como, talvez, o dia mais revolucionário nestes dois anos de Franciscocomo papa.
Ao criar 20 novos cardeais de todas as partes do mundo, o papa latino-americano está prestes a mudar o catolicismo para sempre: não em termos de ideologia “esquerda versus direita”, mas em termos de geografia: norte versos sul.
Este é o segundo consistório do reinado de Francisco e, nele, ficaram cementadas as impressões de que os critérios para se fazer tais escolhas – as dos cardeais – chegaram a um novo patamar.
Antes, era costume que alguém que se destacasse entre as fileiras clericais e ganhasse uma função especial automaticamente recebia o barrete vermelho de cardeal, tal como ao se tornar arcebispo de Veneza, Paris ou Chicago. Hoje, no entanto, Francisco está deixando de lado estes lugares tradicionais, e elevando eminências de dioceses menores e essencialmente de lugares aleatórios.
As consequências desta mudança não nos são conhecidas, mas parecem profundas. Não há praticamente outra coisa que um papa faça que tenha mais influência em sua cultura do que nomear os seus líderes, e os cardeais são os mais importantes entre estes.
Em outras palavras: de uma só vez, o Papa Francisco está desafiando tanto a dominação ocidental [Europa e América do Norte] quanto o clericalismo que, há muito, tem estado entre as características definidoras do Colégio Cardinalício.
Até agora, Francisco adquiriu uma reputação de ser mais progressista do que os últimos papas, e então é natural que as pessoas se perguntem se as suas escolhas de novos cardeais pretendem direcionar a Igreja em um sentido político em particular.
Na realidade, é difícil encontrar um padrão ideológico claro neste grupo de 20 cardeais, 15 dos quais têm temos de 80 anos e, portanto, aptos a votar para um novo papa.
Há alguns cardeais moderados bem conhecidos, entre eles John Atcherley Dew, da Nova Zelândia, e Ricardo Blázquez Pérez, da Espanha. No entanto, há conservadores também, tais como Berhaneyesus Demerew Souraphiel, de Addis Abeba, Etiópia, o qual assinou uma carta em apoio à proibição constitucional contra a atividade homossexual. Este fez também parte de uma força-tarefa inter-religiosa na Etiópia que considerou o comportamento homoafetivo “o pináculo da imoralidade”.
Com toda a honestidade, é pouco provável que Francisco até mesmo saiba muito no nível dos detalhes sobre o ponto de vista político ou cultural de muitos destes prelados. Quando anunciou os nomes no começo de janeiro, ficou claro que ele desconhecia muitos dos prelados, e alguns dos cardeais então designados já haviam reconhecido publicamente não terem afinidade com o papa antes mesmo da nomeação.
Dom Soane Patita Paini Mafi, de Tonga, por exemplo, disse que se encontrou com Francisco uma única vez na vida. Foi durante o Sínodo dos Bispos, e serviu somente para explicar-lhe onde se fica a ilha de Tonga.
Se, de um lado, não está claro qual pode ser o impacto destas nomeações em termos políticos, por outro ficou bastante óbvio o seu impacto em termos de representação geográfica.
Com esta nova safra, Francisco está espalhando a riqueza em termos de barretes vermelhos dos cardeais, trazendo lugares nunca antes representados enquanto ignora centros tradicionais de poder.
Há três lugares que nunca tiveram um cardeal e que agora terão: Mianmar, Cabo Verde e uma ilha do Pacífico: Tonga. Mesmo dentro de países há muito acostumados a ter cardeais, Francisco deixou de lado os candidatos tradicionais no sentido de elevar lugares antes negligenciados, tais como Agrigento Ancona, na Itália.
Há somente uma única autoridade vaticana entre os novos cardeais: o francês Dominque Mamberti, da Assinatura Apostólica e, entre os novos cardeais com idade de voto em conclave, apenas 5 são europeus.
Quando Francisco foi eleito em março de 2013, a África e a Ásia tinham, cada um, 9,6% dos votos. Depois deste sábado, a África terá 12% e a Ásia, 11,2%; estes dois números representam índices altíssimos em comparação com todas as épocas. Os países em desenvolvimento irão, agora, formar quase 41% do Colégio Cardinalício, o que é a sua maior parcela desde sempre; dois anos atrás, esta parcela era de 35%, um aumento significativo.
Tudo isso, evidentemente, não é outra coisa senão compor a liderança da Igreja com um pouco mais de coerência em relação às suas realidades demográficas de base. Dos 1.2 bilhão de católicos romanos no mundo, dois terços vivem foram do eixo Europa/América no Norte. Este número deve alcançar três quartos na metade do século.
Os americanos surpresos com o fato de que Francisco deixou de lado o país pela segunda vez seguida na escolha dos novos cardeais podem considerar o fato de que os 70 milhões de católicos dos EUA representam apenas 6% da população total católica, mas os 11 cardeais americanos são quase 9% do Colégio.
Em outras palavras, a partir deste sábado os católicos de todo o mundo estarão vivendo numa aldeia global um pouco maior, com uma safra de novos líderes levando a Igreja a novas e imprevisíveis direções. Esta nova realidade pode não ter vindo com uma frase marcante, daquelas que a imprensa gosta, mas é de coisas assim que as revoluções são feitas.
Crux, 13-02-2015.

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