Que a Semana Santa me dê humildade para perceber que, enfim, não sei nada.
Por Ricardo Soares*
É uma Quinta-Feira Santa e vou tentar não enveredar para nenhum papo profano. Não me debruçarei sobre escrituras sagradas pois não me sinto a vontade em versar sobre o tema. Minhas interpretações podem ser muito erradas ou absurdas. Vou tentar, isso sim , adocicar a palavra, derramar um pouco da minha diabetes incontrolável sobre os assuntos, tentar ver com olhos de recomeço tudo aquilo que acredito já estar findo.
Vou tentar não entrar no debate sobre o co-piloto alemão que se matou levando mais de uma centena de pessoas com ele. Vou frear meus impulsos de esculachar mais da metade desse nosso hediondo Congresso Nacional e nem vou bradar contra a deseducação, o trânsito caótico, as aflições que sobem e descem na nossa escala de valores erráticos.
Vou tentar aqui com vocês tomar um chá de flor de laranjeira, ficar observando uma escultora bela dar formas à pedra bruta numa pradaria, vou imaginar índios navegando o sagrado silêncio deles, vou pensar com poética saudade nos arroubos criativos de Darcy Ribeiro, Glauber Rocha e outros alucinados que não queriam um destino pequeno para a nossa América dos impostos pesados.
Vou levantar nessa Quinta Santa um memorial para a calma perdida, para os poentes exóticos, para as nascentes dos rios que nascem limpos e morrem antes mesmo de chegar à metade assassinados pela ganância. Vou tentar declamar um pouco de Bandeira, Drummond, Quintana, Pessoa como forma de intoxicar de poesia o ar à minha volta. Vou buscar bússolas onde não mais existem. Vou me lembrar dos temores da Semana Santa que eu tinha na infância. Não fazer malcriação, não falar alto, não comer carne, se compadecer do sofrimento de Jesus. Eu nada entendia, mas tudo entendia. Sabia que aquele era um mundo apólogo do que viria depois. E o depois não poderia ser melhor. No entanto, momento retrovisor, olho para essas sensações antigas e evoco semanas santas já passadas onde eu temia não os pecados que pudesse cometer mas as conseqüências dos pecados cometidos nos anos vindouros.
Andar, andei. Errar, errei. Mas chego agora nessa curva da vida com o sangue cheio de açúcar e olho para o amargo em volta de um jeito irônico, quase sarcástico. O menino que eu fui ainda se envergonha das calças puídas e curtas para o meu tamanho. O menino que fui, hoje e agora, não se cansa de recomeçar, mais uma vez. O problema é a presunção de achar que conhece o caminho das pedras. Que essa quinta e essa semana santa me dê sobretudo humildade para perceber que, enfim, não sei nada e entenda que recomeçar é ensaiar de novo para um espetáculo que está sempre ruim de plateia.
É uma Quinta-Feira Santa e vou tentar não enveredar para nenhum papo profano. Não me debruçarei sobre escrituras sagradas pois não me sinto a vontade em versar sobre o tema. Minhas interpretações podem ser muito erradas ou absurdas. Vou tentar, isso sim , adocicar a palavra, derramar um pouco da minha diabetes incontrolável sobre os assuntos, tentar ver com olhos de recomeço tudo aquilo que acredito já estar findo.
Vou tentar não entrar no debate sobre o co-piloto alemão que se matou levando mais de uma centena de pessoas com ele. Vou frear meus impulsos de esculachar mais da metade desse nosso hediondo Congresso Nacional e nem vou bradar contra a deseducação, o trânsito caótico, as aflições que sobem e descem na nossa escala de valores erráticos.
Vou tentar aqui com vocês tomar um chá de flor de laranjeira, ficar observando uma escultora bela dar formas à pedra bruta numa pradaria, vou imaginar índios navegando o sagrado silêncio deles, vou pensar com poética saudade nos arroubos criativos de Darcy Ribeiro, Glauber Rocha e outros alucinados que não queriam um destino pequeno para a nossa América dos impostos pesados.
Vou levantar nessa Quinta Santa um memorial para a calma perdida, para os poentes exóticos, para as nascentes dos rios que nascem limpos e morrem antes mesmo de chegar à metade assassinados pela ganância. Vou tentar declamar um pouco de Bandeira, Drummond, Quintana, Pessoa como forma de intoxicar de poesia o ar à minha volta. Vou buscar bússolas onde não mais existem. Vou me lembrar dos temores da Semana Santa que eu tinha na infância. Não fazer malcriação, não falar alto, não comer carne, se compadecer do sofrimento de Jesus. Eu nada entendia, mas tudo entendia. Sabia que aquele era um mundo apólogo do que viria depois. E o depois não poderia ser melhor. No entanto, momento retrovisor, olho para essas sensações antigas e evoco semanas santas já passadas onde eu temia não os pecados que pudesse cometer mas as conseqüências dos pecados cometidos nos anos vindouros.
Andar, andei. Errar, errei. Mas chego agora nessa curva da vida com o sangue cheio de açúcar e olho para o amargo em volta de um jeito irônico, quase sarcástico. O menino que eu fui ainda se envergonha das calças puídas e curtas para o meu tamanho. O menino que fui, hoje e agora, não se cansa de recomeçar, mais uma vez. O problema é a presunção de achar que conhece o caminho das pedras. Que essa quinta e essa semana santa me dê sobretudo humildade para perceber que, enfim, não sei nada e entenda que recomeçar é ensaiar de novo para um espetáculo que está sempre ruim de plateia.
*Ricardo Soares é escritor, diretor de TV, roteirista e jornalista. Foi cronista dos jornais “Diário do Grande ABC”, “Jornal da Tarde”, “O Estado de S.Paulo” e da revista Rolling Stone.
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