sexta-feira, 10 de abril de 2015

O Saber e o Fazer dos Antigos

A Filosofia há muito tempo deixou de ser um modo de vida para ser uma discussão de conteúdo.

Por Max Velati*
Nestes tempos confusos ando visitando com frequência a minha estante de Filosofia. Busco nos autores da Antiguidade conselhos e alento para lidar com os loucos tempos modernos. Foi com certa surpresa que achei em Pierre Hadot, filósofo moderníssimo, falecido em 2010, o tipo de consolo antigo, - mas atemporal - que estava procurando esta semana.
Pierre Hadot produziu obras já consideradas clássicas (O que é a Filosofia Antiga e O Véu de Ísis, para citar apenas duas) e seu nome está ligado ao esforço que a Filosofia moderna precisa fazer para se tornar uma atividade tão importante quanto já foi na Antiguidade.
A Filosofia há muito tempo deixou de ser um modo de vida para ser uma discussão de conteúdo, um exercício intelectual mirabolante e nocivamente teórico. O filósofo da Antiguidade veria o nosso acadêmico moderno como um "artista da razão", muito mais interessado no saber do que no viver com sabedoria, um profissional cheio de um tipo de erudição que soa, mas não cria.
Essa crítica seria justificada pelo fato de que na Antiguidade, especialmente entre os estóicos e epicuristas, era preciso viver conforme a doutrina que se ensinava para ser considerado um filósofo autêntico. A Filosofia verdadeira exigia uma conversão, uma aceitação plena de um modo de vida e não apenas uma compreensão lógica de conceitos e relações. Filosofar era - acima de tudo - viver como um filósofo e não buscar compreender esquemas intelectuais. Era preciso ter a vida examinada e corrigida diariamente e sem isso a Filosofia não acontece, fica reduzida a um malabarismo verbal, que sem a prova prática é apenas ar quente e vaidade.
Quando um filósofo autêntico assumiu um poder político real, o mundo percebeu a diferença. Marco Aurélio (121-180 D.C) tornou-se Imperador Romano, mas nunca abandonou os ideais e as práticas do estoicismo. Passou `a História como um dos melhores e mais esclarecidos líderes do Ocidente e basta ler "Meditações", suas notas pessoais sobre a vida, para perceber a diferença entre um governante que tem como única filosofia o Poder e um filósofo que usa o poder da Filosofia para governar.
Marco Aurélio foi considerado em sua época pelos cidadãos de Roma, ora pai, ora filho, ora irmão. Conta-se que ao morrer ninguém chorou porque todos tinham certeza de que o Imperador havia voltado a conviver com os deuses. Chegou a ser considerado sacrilégio não ter em casa a imagem do Imperador para ser devidamente honrada e venerada todos os dias.
A presidente Dilma, num raro gesto de sabedoria e grandeza, colocou um filósofo no Ministério da Educação. Eis aí um homem com o título e um poder real de mudança. O Ministro Renato Janine, filósofo e professor de ética, tem as credenciais e a caneta para realizar mudanças fundamentais e urgentes. Desejo a este servidor público coragem e sabedoria suficientes para fazer este trabalho e peço aos deuses que ele saiba honrar a Filosofia nos seus termos antigos, nobres e práticos.
Como um especialista em Thomas Hobbes, o ministro Janine deve estar preparado para o quadro político atual, um cenário que o célebre filósofo inglês, autor do Leviatã, descreveria como "bellum omnium contra omnes", uma guerra de todos contra todos.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de S. Paulo.

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