A Confraria do Sono

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Um seleto grupo de pessoas cujo grande prazer da vida, o maior deles, o insuperável é dormir.

Intergrantes da 'Confraria do sono' se reunem sempre pela manhã.

Por Fernando Fabbrini*

Já virou moda: existem hoje inúmeras confrarias por aí. Clube do Churrasco, Amigos do Vinho, Apaixonados pelos Charutos, Amantes da Pinga, Concubinas do Botox e por aí vai. Eu tenho o privilégio de participar de uma confraria também. Confesso que a nossa é pouco conhecida, uma vez que reúne gente especialíssima, extremamente discreta e silenciosa. Trata-se da Confraria do Sono, um seleto grupo de pessoas cujo grande prazer da vida, o maior deles, o insuperável - como diz o nome – é dormir. Posso afirmar que essa turma já passou por outras agremiações de caráter hedonista, comportamental ou cultural. Já atravessamos madrugadas em claro, bebendo em meio à gritaria dos bares ou ao som ensurdecedor das boates. Já nos intoxicamos como pratos suspeitos, churrascos infernais, suportamos companhia chata, frequentando ambientes pouco recomendáveis. Agora, chega. Depois de um período de depuração de corpo e alma, alcançamos o topo, o máximo do requinte.

A exemplo das demais, a Confraria do Sono se reúne com regularidade - mas sempre pela manhã. Chegam todos de olhos inchados, espreguiçando-se, sorridentes e descansados. Essas reuniões são abertas com breves depoimentos dos presentes, comentando a boa noite de sono que tiveram, incluindo sonhos sensacionais. A seguir, vem a leitura de propostas, sugestões de eventos ou questões de ordem, anotadas em ata. As participantes do sexo feminino pedem a palavra e comentam, por exemplo, o lançamento de novos lençóis de algodão egípcio, super macios, disponíveis em cores variadas. Comentam sobre hotéis afastados, bucólicos, onde não se ouve nada além do canto de passarinhos ao amanhecer. Acrescentam detalhes das camas francesas com suave perfume de lavanda, bem macias, e colchões importados do Japão, irresistíveis. Já os homens cuidam de coisas práticas, como o preparo urgente de uma moção dirigida às autoridades sanitárias, exigindo a extinção imediata de todas as espécies de pernilongos – nossos inimigos mortais, assim como camas estreitas, quartos abafados e funk no apartamento de cima. De maneira geral, os confrades estão sempre a par de novas tecnologias de proteção contra ruídos, tais como janelas à prova de festas de vizinho e revestimentos acústicos contra torcidas de futebol em finais de campeonato.

Vez ou outra acontece um fato curioso. Uma de nossas colegas, por exemplo, já passada por um casamento e hoje senhora de sua beleza madura e independente, apaixonou-se outra vez. O tal senhor, cinquentão, também ficou caidinho por ela. Mantiveram-se em distância regulamentar por algumas semanas, estudando-se. Fim de noite, após uma sessão de cinema romântico e um jantar com velas e vinhos, ele declarou-se. Tomou as mãos dela e soltou a frase, decidido:

— Vamos dormir juntos?

Ela sentiu o coração batendo forte. Adorou a ideia. Ele tinha feito o convite perfeito.

— No meu ou no seu?

Foram para o dela, era mais perto. Minutos depois, ele retirou-se às pressas, quase sendo expulso do prédio, literalmente de calças na mão e o sonho desfeito. Ela explicou o fim do romance na última reunião da Confraria do Sono, firme e determinada:

— Era um sem-vergonha, um aproveitador! Convidou-me para dormir junto e, ao invés disso, logo veio com assanhamentos!

Todos nós balançamos a cabeça, afirmativos. E bocejamos em coro, solidários. 

*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.