Havana transformou-se numa enorme galeria de arte com cubanos e americanos expondo juntos.
Por Marco Lacerda*
Um grupo de artistas de Brasília foi convidado a participar da coletiva Acercamientos, mostra paralela à 12ª Bienal de Havana, inaugurada no dia 22, e que este ano comemora 30 anos com o tema ‘Entre a ideia e a experiência’. “Foi um grupo formado de maneira meio aleatória”, avisa Glênio Lima, que coordenou a escolha dos artistas brasileiros. “Não temos uma temática e nem somos todos de uma geração. A diversidade talvez seja nossa característica mais abrangente, cada artista tem uma história na cidade”.A capital cubana se transformou nos últimos dias em uma gigantesca galeria de arte. Museus, fortalezas coloniais, ruas, quebra-mares, bairros periféricos e um grande número de casas e apartamentos particulares abriram espaço para centenas de artistas de Cuba e de outros 50 países que participam da 12ª Bienal de Havana. Independentemente da qualidade artística, o evento, marcado pelo atual momento de distensão política entre Washington e Havana, entrará na história como a Bienal do diálogo e do reencontro.
Desde sua inauguração, no dia 22, em Havana se fala inglês. São centenas – milhares? – os colecionadores, galeristas, curadores, diretores de museus e olheiros de arte norte-americanos que tomaram a cidade de assalto. Oficialmente, os organizadores calculam em 1.400 os norte-americanos com credencial. Mas são muitos mais os que percorrem desde a semana passada as salas de exibição e as oficinas dos artistas cubanos em busca de oportunidades.
“Isto é incrível”! A exclamação foi de um membro do Museu do Bronx diante de Obstáculos, peça do marroquino Mounir Fatmi, situada no Malecón de Havana como parte da mostra paralela “Detrás del muro” (“atrás do muro”). A obra, um acúmulo de obstáculos de madeira pintados com as cores da bandeira dos EUA, “já não é um estorvo insuperável, está no nível do solo”, segundo as palavras de Juan Delgado, comissário da exposição, que exibe obras de 51 artistas ao longo dos 14 quarteirões mais emblemáticos do passeio à beira-mar de Havana.
Uma enorme galeria com vista para o mar
Ali mesmo, em frente ao mar, o artista de Nova York Duke Riley inaugurou no domingo uma pista de patinação no gelo (sem gelo) de 8,5 por 25 metros, onde os meninos do bairro, sem camisa e deslizando sob o sol tropical, eram parte da performance. Vacío (“vazio”), a proposta do cubano Glexis Novoa – que deixou seu país há 20 anos – interveio em um espaço semidemolido do Malecón (no qual vivem duas pessoas) com uma reflexão sobre o passado e o futuro que espera seus compatriotas. Em um de seus 15 desenhos em grafite, se vê um Lenin caído que chama a atenção sobre a revolução que ocorrerá depois da decisão de Cuba e EUA de normalizar suas relações. Uma revolução que, na visão de Novoa, conservará “pouco de romantismo e terá muito de individualidade”.
O artista cubano Carlos Garaicoa, com estúdio em Madri e Havana, é outro exemplo do momento tão especial que se vive em Cuba. No fim de semana passado, Garaicoa inaugurou na fachada da embaixada da Espanha El cuarto oscuro (“o quarto escuro”), uma reflexão sobre a manipulação da notícia e da informação nas sociedades contemporâneas a partir de uma seleção de jornais nos quais se remove a informação escrita e se deixam ver novas relações e leituras através das imagens que se destacam.
Uma semana antes de intervir no edifício diplomático, estava em Nova York apresentando Aniversario, uma instalação que inclui uma coleção de selos na qual se mostra como o poder manipula a infância (Obama, Fidel Castro, o papa, Stalin e Hitler aparecem acariciando crianças). Durante a Bienal foi inaugurado também o espaço Artista x Artista, no qual Garaicoa pretende promover a partir de 2016 o intercâmbio entre artistas de diversas partes do mundo, que serão acolhidos em residências de Havana durante várias semanas.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal.
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