Com avanço das térmicas, setor poderá tornar-se o maior responsável por emissões de poluentes.
Por Roberto Rockmann
Brasil atravessa um período de transição da sua matriz de energia baseada nas hidrelétricas, que deverão gradualmente perder participação na geração nos próximos anos.
Com o avanço das térmicas movidas a combustíveis fósseis, o setor poderá tornar-se o maior responsável por emissões de poluentes a longo prazo e desbancar o desmatamento. Essa possibilidade levanta uma série de dúvidas em relação ao futuro da matriz, cada vez mais dependente das chuvas, e que exigirá maior diversificação e redução dos custos para o consumidor final, prejudicado por uma das tarifas mais caras no mundo.
Segundo estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente, as emissões do setor partiram de um patamar de 195 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (medida da quantidade de gases de efeito estufa) em 1990 para 440 milhões de toneladas em 2012, equiparando-se às emissões da agropecuária e da mudança de uso da terra.
De apenas 11% das emissões em 2004, as empresas responderam em 2012 por 30%, resultado do intenso uso do modal rodoviário, grande consumidor de diesel e gasolina, para o transporte de cargas, e do crescimento do uso das térmicas na geração elétrica. Esse e outros desafios no setor serão discutidos na segunda-feira 31 no seminário “Energia: Crescimento Sustentável”, mais um evento da série Diálogos Capitais.
Neste ano de forte estiagem, com o nível dos reservatórios perto dos 20% na Região Sudeste, e o aumento do risco de um novo racionamento, as usinas térmicas contribuíram com quase um terço da geração de energia do País. O avanço da participação dessas unidades coincide com a maior dependência das chuvas para gerar eletricidade e a dificuldade de se construirem novas hidrelétricas, hoje restritas à Região Norte, detentora de cerca de 70% do potencial hidrelétrico nacional.
Desde a década de 1990, o País constrói usinas a fio d’água, ou seja, sem grandes reservatórios de armazenagem. Nos anos 1980 e no início da década de 1990, a capacidade dos reservatórios possibilitava o armazenamento de energia por até três anos. Um estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro mostra que, em 2001, a capacidade de regularização dos reservatórios, ou o quanto de energia o Brasil pode armazenar na forma de água para suprir a demanda de energia, era de pouco mais de seis meses. Em 2012, a capacidade de regularização caiu para 4,9 meses e poderá diminuir ainda mais.
Entre 2013 e 2018, período previsto para o início de operação de grandes empreendimentos como as usinas do Rio Madeira e de Belo Monte, deverão ser acrescentados ao sistema 20 mil megawatts de capacidade hídrica. Desse total, só 200 megawatts têm reservatórios, segundo estimativa do Operador Nacional do Sistema. Isso fará com que a capacidade de armazenamento caia para 3,8 meses em 2018, de acordo com algumas estimativas de empresas privadas. Nesse contexto, a energia térmica ganha espaço.
A menor área de alagamento reduz os impactos ambientais, mas torna o sistema mais dependente de São Pedro. “Neste ano, não tivemos problemas porque a demanda da indústria está muito fraca, por conta da recessão”, afirma o físico Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras e diretor da Coppe (UFRJ).
Licitar projetos hidrelétricos é complicado, a exemplo da Usina São Manoel, no Rio Teles Pires, na divisa do Mato Grosso com o Pará. A União tentou por mais de três anos obter o licenciamento do empreendimento. Em 2010, o Ibama apontou uma série de deficiências no estudo de impacto ambiental da hidrelétrica, com capacidade estimada para abastecer mais de 2 milhões de residências.
Em 2011, durante o processo de audiência pública para discussão do empreendimento, quatro funcionários da Funai, dois da Empresa de Pesquisa Energética e um antropólogo foram sequestrados por índios da aldeia Kururuzinho, contrária à construção. A usina foi licitada somente em dezembro de 2013. Até a hora do leilão, a licitação estava cercada de dúvidas. Depois das dificuldades para obter a licença ambiental prévia, o projeto chegou a ser retirado por força de uma liminar da Justiça. A Advocacia-Geral da União derrubou a liminar e garantiu a licitação, pouco antes do prazo.
Diante dessas dificuldades, as hidrelétricas, que há 20 anos geravam mais de 80% da energia, deverão contribuir com 65% no início da próxima década. Com base em três cenários e em projeções de crescimento da demanda até 2040 em cada um deles, a participação das hidrelétricas poderá variar de 46% a 57% da geração de energia elétrica, segundo estudo da FGV Projetos.
O potencial hidrelétrico estimado entre 40 a 50 gigawatts deverá esgotar-se por volta de 2030, segundo projeções de algumas empresas. Os principais projetos são os do Rio Tapajós, no Pará, com destaque para São Luís, de 8.040 megawatts de potência e investimentos de 26 bilhões de reais, o maior empreendimento futuro de fonte hídrica no País. O governo trabalha para licitá-lo em 2016. A usina será construída a partir de um novo modelo, inspirado parcialmente nas plataformas de exploração de petróleo.
A hidrelétrica não seria acompanhada da instalação de vilas operárias, cidades e centros comerciais no entorno. A ideia é criar alojamentos temporários, que serão totalmente desmontados no fim da obra, com redução da possibilidade de grandes migrações para a região. Além disso, vias provisórias de acesso serão desfeitas e a vegetação, recomposta com o replantio de árvores.
Usinas eólicas, solares e térmicas a gás natural deverão ganhar espaço. A opção nuclear, favorecida pelo fato de o Brasil deter grandes reservas de urânio, provavelmente voltará a ser discutida. Um destaque deverá ser o uso da energia solar, hoje inexpressivo, mas que em 2024 poderá representar 3% da geração de eletricidade no Brasil. Essa alternativa pode gerar 10% da energia, cerca de 6 mil megawatts médios, apontam estimativas do governo.
Uma resolução de 2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica estabelece que clientes residenciais e comerciais podem instalar painéis fotovoltaicos e abater de suas contas a microgeração obtida a partir dessa fonte. O governo trabalha em um projeto para estimular o ingresso da energia solar na matriz. Está em negociação com o Ministério da Fazenda a redução da cobrança de PIS/Cofins sobre os equipamentos importados, enquanto os secretários de Fazenda dos estados deverão eliminar o ICMS cobrado sobre os microgeradores de energia.
Há 15 anos, projeções de aumento da participação da energia eólica na matriz elétrica nacional não eram levadas muito a sério. Essa fonte ganhou espaço e poderá chegar ao fim da década com uma potência instalada superior a 14 mil megawatts, mais do que a capacidade da Usina Hidrelétrica de Itaipu, uma das três maiores do mundo. Em 2024, atingiria 20 gigawatts de potência, mais de 10% da matriz elétrica. Com o aumento do uso das fontes eólica e solar, a matriz será mais bem distribuída e intermitente, pois essas fontes dependem de sol e vento.
O gás terá também presença crescente. A produção poderá dobrar para 180 milhões de metros cúbicos por dia no início da próxima década, por causa do pré-sal, apontam algumas estimativas. Na Bacia de Campos, nos melhores casos fora do pré-sal, são produzidos 80 metros cúbicos de gás para cada metro cúbico de petróleo.
Já no pré-sal da Bacia de Santos, a média é de 220 metros cúbicos de gás para cada metro cúbico de petróleo. Uma portaria da Agência Nacional do Petróleo determina que, a partir de 2015, a queima de gás terá de ser apenas de 3% nos campos de petróleo. Essa definição harmoniza-se com a situação do pré-sal, com o gás associado ao óleo, e às promissoras perspectivas de jazidas de gás não convencional, como as de xisto.
Brasil atravessa um período de transição da sua matriz de energia baseada nas hidrelétricas, que deverão gradualmente perder participação na geração nos próximos anos.
Com o avanço das térmicas movidas a combustíveis fósseis, o setor poderá tornar-se o maior responsável por emissões de poluentes a longo prazo e desbancar o desmatamento. Essa possibilidade levanta uma série de dúvidas em relação ao futuro da matriz, cada vez mais dependente das chuvas, e que exigirá maior diversificação e redução dos custos para o consumidor final, prejudicado por uma das tarifas mais caras no mundo.
Segundo estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente, as emissões do setor partiram de um patamar de 195 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (medida da quantidade de gases de efeito estufa) em 1990 para 440 milhões de toneladas em 2012, equiparando-se às emissões da agropecuária e da mudança de uso da terra.
De apenas 11% das emissões em 2004, as empresas responderam em 2012 por 30%, resultado do intenso uso do modal rodoviário, grande consumidor de diesel e gasolina, para o transporte de cargas, e do crescimento do uso das térmicas na geração elétrica. Esse e outros desafios no setor serão discutidos na segunda-feira 31 no seminário “Energia: Crescimento Sustentável”, mais um evento da série Diálogos Capitais.
Neste ano de forte estiagem, com o nível dos reservatórios perto dos 20% na Região Sudeste, e o aumento do risco de um novo racionamento, as usinas térmicas contribuíram com quase um terço da geração de energia do País. O avanço da participação dessas unidades coincide com a maior dependência das chuvas para gerar eletricidade e a dificuldade de se construirem novas hidrelétricas, hoje restritas à Região Norte, detentora de cerca de 70% do potencial hidrelétrico nacional.
Desde a década de 1990, o País constrói usinas a fio d’água, ou seja, sem grandes reservatórios de armazenagem. Nos anos 1980 e no início da década de 1990, a capacidade dos reservatórios possibilitava o armazenamento de energia por até três anos. Um estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro mostra que, em 2001, a capacidade de regularização dos reservatórios, ou o quanto de energia o Brasil pode armazenar na forma de água para suprir a demanda de energia, era de pouco mais de seis meses. Em 2012, a capacidade de regularização caiu para 4,9 meses e poderá diminuir ainda mais.
Entre 2013 e 2018, período previsto para o início de operação de grandes empreendimentos como as usinas do Rio Madeira e de Belo Monte, deverão ser acrescentados ao sistema 20 mil megawatts de capacidade hídrica. Desse total, só 200 megawatts têm reservatórios, segundo estimativa do Operador Nacional do Sistema. Isso fará com que a capacidade de armazenamento caia para 3,8 meses em 2018, de acordo com algumas estimativas de empresas privadas. Nesse contexto, a energia térmica ganha espaço.
A menor área de alagamento reduz os impactos ambientais, mas torna o sistema mais dependente de São Pedro. “Neste ano, não tivemos problemas porque a demanda da indústria está muito fraca, por conta da recessão”, afirma o físico Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras e diretor da Coppe (UFRJ).
Licitar projetos hidrelétricos é complicado, a exemplo da Usina São Manoel, no Rio Teles Pires, na divisa do Mato Grosso com o Pará. A União tentou por mais de três anos obter o licenciamento do empreendimento. Em 2010, o Ibama apontou uma série de deficiências no estudo de impacto ambiental da hidrelétrica, com capacidade estimada para abastecer mais de 2 milhões de residências.
Em 2011, durante o processo de audiência pública para discussão do empreendimento, quatro funcionários da Funai, dois da Empresa de Pesquisa Energética e um antropólogo foram sequestrados por índios da aldeia Kururuzinho, contrária à construção. A usina foi licitada somente em dezembro de 2013. Até a hora do leilão, a licitação estava cercada de dúvidas. Depois das dificuldades para obter a licença ambiental prévia, o projeto chegou a ser retirado por força de uma liminar da Justiça. A Advocacia-Geral da União derrubou a liminar e garantiu a licitação, pouco antes do prazo.
Diante dessas dificuldades, as hidrelétricas, que há 20 anos geravam mais de 80% da energia, deverão contribuir com 65% no início da próxima década. Com base em três cenários e em projeções de crescimento da demanda até 2040 em cada um deles, a participação das hidrelétricas poderá variar de 46% a 57% da geração de energia elétrica, segundo estudo da FGV Projetos.
O potencial hidrelétrico estimado entre 40 a 50 gigawatts deverá esgotar-se por volta de 2030, segundo projeções de algumas empresas. Os principais projetos são os do Rio Tapajós, no Pará, com destaque para São Luís, de 8.040 megawatts de potência e investimentos de 26 bilhões de reais, o maior empreendimento futuro de fonte hídrica no País. O governo trabalha para licitá-lo em 2016. A usina será construída a partir de um novo modelo, inspirado parcialmente nas plataformas de exploração de petróleo.
A hidrelétrica não seria acompanhada da instalação de vilas operárias, cidades e centros comerciais no entorno. A ideia é criar alojamentos temporários, que serão totalmente desmontados no fim da obra, com redução da possibilidade de grandes migrações para a região. Além disso, vias provisórias de acesso serão desfeitas e a vegetação, recomposta com o replantio de árvores.
Usinas eólicas, solares e térmicas a gás natural deverão ganhar espaço. A opção nuclear, favorecida pelo fato de o Brasil deter grandes reservas de urânio, provavelmente voltará a ser discutida. Um destaque deverá ser o uso da energia solar, hoje inexpressivo, mas que em 2024 poderá representar 3% da geração de eletricidade no Brasil. Essa alternativa pode gerar 10% da energia, cerca de 6 mil megawatts médios, apontam estimativas do governo.
Uma resolução de 2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica estabelece que clientes residenciais e comerciais podem instalar painéis fotovoltaicos e abater de suas contas a microgeração obtida a partir dessa fonte. O governo trabalha em um projeto para estimular o ingresso da energia solar na matriz. Está em negociação com o Ministério da Fazenda a redução da cobrança de PIS/Cofins sobre os equipamentos importados, enquanto os secretários de Fazenda dos estados deverão eliminar o ICMS cobrado sobre os microgeradores de energia.
Há 15 anos, projeções de aumento da participação da energia eólica na matriz elétrica nacional não eram levadas muito a sério. Essa fonte ganhou espaço e poderá chegar ao fim da década com uma potência instalada superior a 14 mil megawatts, mais do que a capacidade da Usina Hidrelétrica de Itaipu, uma das três maiores do mundo. Em 2024, atingiria 20 gigawatts de potência, mais de 10% da matriz elétrica. Com o aumento do uso das fontes eólica e solar, a matriz será mais bem distribuída e intermitente, pois essas fontes dependem de sol e vento.
O gás terá também presença crescente. A produção poderá dobrar para 180 milhões de metros cúbicos por dia no início da próxima década, por causa do pré-sal, apontam algumas estimativas. Na Bacia de Campos, nos melhores casos fora do pré-sal, são produzidos 80 metros cúbicos de gás para cada metro cúbico de petróleo.
Já no pré-sal da Bacia de Santos, a média é de 220 metros cúbicos de gás para cada metro cúbico de petróleo. Uma portaria da Agência Nacional do Petróleo determina que, a partir de 2015, a queima de gás terá de ser apenas de 3% nos campos de petróleo. Essa definição harmoniza-se com a situação do pré-sal, com o gás associado ao óleo, e às promissoras perspectivas de jazidas de gás não convencional, como as de xisto.
CartaCapital, 30-08-2015.
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