quinta-feira, 22 de outubro de 2015

De volta para o futuro passado

'Assim a esmo vou aqui listar coisas e pessoas que me fazem uma tremenda falta'.
Por Ricardo Soares* 
Com todo esse bolodório inócuo sobre os 30 anos do filme “ De Volta para o Futuro” fico pensando do que de fato eu tenho saudades no meu universo sensorial de juventude além da rebeldia com causa que era pôr fim a uma ditadura que vinha desde 1964. Assim a esmo vou aqui listar coisas e pessoas que me fazem uma tremenda falta sob o risco de ser rotulado de saudosista ou de turbinar “papo de véio, de tiozinho” aqui no cipoal internético.
Para começar ontem vi um texto dele e tenho uma baita saudade da sua boca rota e do teatro transgressivo, dos seus textos sobre as “quebradas do mundaréu” do saudoso Plínio Marcos que muitas vezes vi zanzando ali no Gigetto e nas cercanias do Bixiga. Cercanias onde também zanzava o finado Adoniran Barbosa que com sua inocente boêmia cervejeira cantou uma São Paulo que não existe mais e foi erroneamente rebatizada de “Sampa”.
Longe de “Sampa” e perto do coração tenho saudades da “Ronda” de Vanzolini na esquina da Ipiranga com a São João cuja avenida abrigava cinemas saudosos como o Comodoro, o Cine Regina e outras pérolas onde assisti “Terremoto”, “ Aeroporto 77”e outras baboseiras americanas que formaram uma geração.
Era um salpicar de “Tarancon” com Beatles, Rolling Stones com Língua de Trapo, discussões anarquistas com cinema catástrofe e Godard. Tenho saudades desse cliclete com banana e de passar fins de semana esparramado nas areias da Praia Grande ressacado com batidas de má qualidade enquanto esperava um futuro que ia chegar.
Tenho saudades do “Pasquim”, do “Enfim”, do “Folhetim”, publicações viscerais e certeiras pelas quais passaram um gênio da raça jornalística chamado Tarso de Castro pouco lembrado talvez por sua presunção, arroubos criativos e verbo ferino. Os tempos atuais premiam apenas os bons meninos e os Tarsos fazem falta em tempos de Tassos Jereissatis, o guardião da desmemoria cearense. Mas esse é outro assunto do qual não tenho saudade.
Tenho saudades dos shows na “Casa do Estudante” , no Equipe, dos saraus da casa de chá “Erva Doce” onde um dia vi placidamente sentada a poeta Ana Cristina César a observar os meus versos ruins e mal compostos. Tenho saudades do Leminski dançando alegre diante do Olodum numa noite remota do programa “Metrópolis” da Tv Cultura  e tenho saudade do tempo que conspirávamos por um futuro menos “trevoso” do que esse que bate em nossas janelas.
 A inócua discussão sobre os 30 anos de “ De volta para o futuro” me colocou num carro como o do filme de volta para o passado. E, confesso, apesar do tema recorrente para mim,  que  sinceramente não sei se preferia o retorno a certos tempos com esperança  a  tecnologia acelerada desse destino de manada que vivemos.
*Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Autor de 7 livros foi cronista dos jornais “O Estado de S.Paulo”, “Jornal da Tarde”, “Diário do Grande Abc” e da revista “Rolling Stone”.

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