terça-feira, 24 de novembro de 2015

Família: planejamento para evitar problemas

Regime de bens e mudanças na lei civil requerem conhecimento dos noivos antes do casamento.
Por Renato Campos Andrade* e Juliana Duran**
O direito de família provavelmente é o ramo do direito mais discutido pelo cidadão leigo, visto que envolve convivência familiar e patrimônio comum. No entanto, não é o senso comum que define as regras e formas de se dirimir eventuais conflitos, mas a lei.
Igualmente comum é a procura de um especialista apenas diante de uma desavença quando o melhor seria se valer de um aconselhamento jurídico ainda nos primeiros passos antes da união.
Neste sentido é importante, mesmo diante da ansiedade nos preparativos, ponderar um pouco sobre o regime de bens que vai vigorar no matrimônio. Isso porque, ainda que não seja comum se casar pensando em divórcio, não é incomum que cônjuges se separem.
Além disso, as regras que virão reger os bens do casal também são diferentes para os contratos de casamento e de união estável.  Ao casamento é facultada a escolha do regime, à união estável se aplica o regime de "comunhão parcial". Neste caso, os casais que avaliam entre uma e outra opção devem ponderar especialmente, pois no segundo contrato, o de união estável, não estão garantidos os mesmos direitos que no primeiro, o de casamento.
O regime de bens é escolhido perante o cartório de Registro Civil. No direito brasileiro, caso não seja indicado especificamente no contrato de casamento, vigorará o da comunhão parcial de bens2.
Mas o regime de bens não interfere somente na separação. Durante o casamento, a lei irá determinar algumas regras, como as que se seguem, relativas ao Empresário (CC 2002):
Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.
Art. 978. O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real.
Art. 979. Além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, no Registro Público de Empresas Mercantis, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade.
Com base nestes artigos, nota-se que, havendo intenção do casal de ter um negócio próprio, em sociedade entre si ou com terceiros, será adequado o regime de comunhão parcial de bens.
Doutro modo, herdeiros de grandes patrimônios podem optar por separação de bens, para preservar os direitos ao patrimônio particular a que teria antes do contrato nupcial. Ao se casar, os entes podem  participar, por exemplo, por ações das empresas em Sociedade Anônima da família do cônjuge. Estes são alguns exemplos da interferência do regime nupcial na vida econômica do casal durante o casamento.
Mas nem tudo são flores. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2013 foram realizados pouco mais de um milhão de casamentos no Brasil e cerca de duzentos e cinquenta mil divórcios. Em um cálculo leigo, pode-se apontar que a cada quatro casamentos, um termina em divórcio.
É de conhecimento geral que as separações de casais envolvem alta carga emocional. São processos que podem ser traumáticos e deixar profundas marcas psicológicas, especialmente se um dos parceiros se sente enganado de alguma forma como, por exemplo, quanto à questão patrimonial. A guarda dos filhos também será definida neste momento e vai merecer atenção.
Existem muitas peculiaridades concernentes a cada regime e que devem ser devidamente esclarecidas por um especialista na área. Cátia Cardoso Soares ensina sobre os regimes de bens e explica suas espécies no artigo Atenção na escolha do regime de bens. A comunhão universal3significa que todos os bens, anteriores ao casamento ou adquiridos na constância do matrimônio, são patrimônio comum e devem ser partilhados de forma igualitária. Mas podem ser excluídos deste regime os bens doados com cláusula de incomunicabilidade. Outro regime, o de separação total,  pode ser escolhido livremente pelas partes, mas é obrigatório para os maiores de setenta anos, como explicará Soares.
Igualmente importante, em eventual litígio de cônjuges ou afins, é decidir sobre a guarda de filhos menores4. As dificuldades ocorrem neste caso quando os pais não se entendem, isto é, os genitores não entram em acordo e serão obrigados a compartilharem a guarda mesmo diante de uma grande incompatibilidade de ideias.
Maria Lúcia Ricoy Pena de Oliveira, em seu artigo Guarda Compartilhada: significado e efeitos, explica que o compartilhamento da guarda pode ser fixado por consenso dos genitores, ou por determinação judicial e culmina por elogiar a alteração “Esse novo modelo de corresponsabilidade adotado representa um avanço no sentido de retirar da guarda a ideia de posse, garantir o amplo convívio de ambos os genitores com os filhos”. Ressalta que, mesmo nesta espécie de guarda, pode haver prestação de alimentos.
Uma boa novidade neste meio é a possibilidade de “fugir” do lento judiciário e solucionar rapidamente a questão nos Cartórios de Registros Públicos. A Lei 11.441/2007 estabeleceu a possibilidade de realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa, como aborda Ricardo Fonseca Rocha no artigo O papel do profissional na dissolução do casamento.
“As mudanças trazidas pela emenda 66/2010” que objetivou imprimir celeridade à solução, tratou-se de medida correta, mas não pode ser utilizada em qualquer caso: “um dos requisitos mais importantes é o de assistência obrigatória do profissional” e o “o consenso mútuo”, já que não cabe ao tabelião dirimir conflitos, explica Rocha.
Direito de família é coisa séria e merece uma atenção preventiva, a fim de evitar problemas futuros. Valem as leituras dos artigos especiais da edição.

1 Escolher pela união estável para facilitar a aquisição do status da união, nem sempre será o melhor caminho. Na união estável o companheiro não é obrigatoriamente considerado herdeiro. Com o casamento também fica acessível objetivamente o direito a pensões do INSS no caso de morte do cônjuge. Na união homo afetiva, embora reconhecidas desde 2013 por uma resolução do CNJ (determinando que todos os cartórios do país realizem o casamento entre pessoas do mesmo sexo) o casamento não é concedido sempre com facilidade. Isso acontece no Brasil de modo diferente que nos EUA, onde recentemente a Suprema Corte definiu a inconstitucionalidade da expressão 'entre homem e mulher' para o casamento, valendo para todos os 50 estados federados daquele país. Embora a justiça brasileira tenha se posicionado majoritariamente favorável à resolução do CNJ, diante da lei federal em vigor (que ainda tem em sua redação a expressão ‘entre homem e mulher') muitos casais tem que aprovar o pedido judicialmente.
2 A comunhão é parcial porque admite a existência de bens particulares, isto é, que pertençam somente a um dos cônjuges. Casos, por exemplo, de bens adquiridos antes do casamento e recebidos de herança ou doação.
3 Até a edição da lei 6.515/77, esta era a regra. Em caso de não apontamento específico do regime, a lei determinava que seria o da comunhão universal. Até a edição da lei 6.515/77, esta era a regra. Em caso de não apontamento específico do regime, a lei determinava que seria o da comunhão universal.
4 Existem dois regimes básicos, a guarda unilateral, isto é, apenas um dos genitores fica com a criança enquanto o outro pode visitar e passar certo tempo com o filho, e a guarda compartilhada. Neste caso, não há preferência e ambos são igualmente responsáveis. A Lei 13.058/14 estabelece que: “Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Na prática, ambos os pais deverão decidir a melhor forma de criar a criança, desde a escola, plano de saúde, alimentação, férias,  até o tempo que passará com cada um. O que antes era exceção, agora é regra. A lei, em seu artigo 2º, alterou o Código Civil e determinou que “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada”.
*Renato Campos Andrade é advogado, formado pela Escola Milton Campos, Especialista em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada - PUC-MG, Especialista em Direito do Consumidor pela Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Direito, é professor da Escola Superior Dom Helder Câmara. **Juliana Duran é jornalista, redatora do portal domtotal.com e aluna da ESDHC.

Nenhum comentário:

Postar um comentário