segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Mudemos o sistema, não o clima!

Se não enfrentarmos as verdadeiras causas da catástrofe, não poderemos evitá-la.

“A solução não pode ser impedir o desenvolvimento àqueles que mais o necessitam. O real é que tudo aquilo que contribua hoje ao subdesenvolvimento e à pobreza constitui uma violação flagrante da ecologia (...) Se quisermos salvar a humanidade dessa autodestruição, é preciso distribuir melhor as riquezas e tecnologias disponíveis no planeta. Menos luxo e menos esbanjamento em uns poucos países, para que haja menos pobreza e menos fome em grande parte da Terra. (...) Parem os egoísmos, parem as hegemonias, parem a insensibilidade, a irresponsabilidade e o engano.” (Fidel Castro, Rio de Janeiro, 1992)
Passaram três anos desde que foi realizada a Cúpula dos Povos, em junho de 2012, paralela a das Nações Unidas, conhecida como Rio+20. Naquele momento, a Rede em Defesa da Humanidade fez um convite aos movimentos sociais, líderes sociais em geral, governos e a todas as pessoas de boa vontade para se mobilizarem contra o modelo suicida que se impôs ao mundo, e que nos deixa como única alternativa a extinção da espécie humana.
Hoje, às portas da COP21, Paris 2015, onde se espera a assinatura de um novo acordo climático, não existem motivos para estar satisfeitos, pois nada nos leva a pensar que haverá consenso em adotar as verdadeiras soluções que a gravidade do momento reivindica. Cabe retomar o lema abraçado em Copenhague: “Mudemos o sistema, não o clima!”. Se não enfrentarmos as verdadeiras causas da catástrofe, não poderemos evitá-la.
Na Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança Climática e Defesa da Vida, ocorrida em Tiquipaya, Bolívia, de 10 a 12 de outubro deste ano, aqueles que dela participaram decidiram retomar, em razão de sua vigência, e assim ficou na Declaração Final, a mensagem que a Rede em Defesa da Humanidade fez, em junho de 2012, na Cúpula Rio+20 e exigir, por todos os meios ao nosso alcance, diante do sistema de organismos internacionais das Nações Unidas:
1. Refutar a pretensão das novas teses colocadas relativamente à “economia verde”. Rejeitar esse conceito e qualquer outra forma de exploração por parte do poder transnacional e exigir uma abordagem multisetorial e multidimensional do enfrentamento à crise.
2. Condenar a privatização dos recursos naturais e toda forma de mercantilização da natureza. Reconhecer e avaliar a concepção integral da vida das culturas originárias e dos princípios de  solidariedade, igualdade, complementaridade e reciprocidade em que estão baseadas alternativas como o Bem Viver e outras, para a relação harmônica com a  natureza e a sobrevivência da espécie humana.
3. Reconhecer a urgência de colocar a defesa dos direitos de nossa espécie e da natureza como eixo central das negociações e instrumentos normativos internacionais em detrimento dos direitos do capital. A partir desta perspectiva, reconhecer a necessidade de um tribunal penal sobre o meio ambiente.

4. Que se condenem as guerras, as políticas imperiais e a corrida armamentista como as maiores agressões ao meio ambiente e à preservação da espécie humana, tanto por suas consequências diretas como pelos gastos incalculáveis que provocam. Esses recursos poderiam muito bem ser utilizados para resolver os principais desafios sociais e ambientais que a humanidade enfrenta. Que se denuncie o caráter suicida dos arsenais nucleares e se exija a sua eliminação e proibição absoluta.
 
5. Que as autoridades públicas assumam  como obrigação principal aplicar um enfoque  baseado nos direitos de sustentabilidade, bem-estar e progresso da sociedade, e seja reivindicada  a responsabilidade inescusável dos governos de proporcionar serviços essenciais para a vida à totalidade dos cidadãos. Que mudem radicalmente os indicadores de desenvolvimento e progresso para que tenham em conta os custos ambientais, a equidade social  e o desenvolvimento humano.

6. Que seja reconhecida como imprescindível a transformação dos  padrões de produção, consumo e distribuição da renda. A busca de acumulação crescente de lucros e a orientação da produção em função da demanda solvente e não da necessidade social, própria do sistema capitalista, não pode, nem poderá nunca, gerar igualdade, eliminar a pobreza, nem garantir um desenvolvimento harmônico com a conservação do meio ambiente. A urgência real de migrar rumo a tecnologias não poluentes não pode reduzir as análises a  aspectos meramente tecnológicos.
7. Que o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, reconhecido na Declaração do Rio, seja traduzido em mecanismos reais de financiamento, flexibilidades e políticas de acesso à tecnologia e o conhecimento para os países mais necessitados e em obrigações inescapáveis para os países industrializados.
8. Denunciar o cínico “discurso limpo” das potências do Norte, que hoje tentam botar a culpa nos países do Sul, enquanto ocultam sua responsabilidade histórica e presente no atraso das tecnologias desses países e na deformação de suas economias e favorecem as operações “sujas” das transnacionais no Sul. As marcas e patentes “verdes”  devem ser denunciadas como um renovado e perigoso mecanismo de reafirmação da dominação para com todos os países tecnologicamente dependentes.
9. Que a Cúpula se pronuncie pela imprescindível avaliação  precautória das tecnologias segundo seus impactos sociais e ambientais. Deve ser criada com urgência uma Convenção mundial para o controle de tecnologias novas e emergentes,  baseada no princípio de precaução e a avaliação participativa.
10. Denunciar a chamada obsolescência programada e que sejam favorecidas as tecnologias que visem a máxima vida útil dos produtos, beneficiem a padronização, a reparação,  a reciclagem e um mínimo de detritos, de maneira que sejam satisfeitas as necessidades humanas com o menor custo ambiental.
11. Condenar o controle do comércio mundial pelas transnacionais e o papel da Organização Mundial do Comércio (OMC) na imposição de acordos que legitimam a desigualdade e a exclusão e que impedem o exercício de políticas públicas soberanas. Promover ações concretas para conseguir um intercâmbio comercial mais justo, e em harmonia com os requerimentos relativos ao meio ambiente.
12. Firmar medidas concretas para travar a volatilidade dos preços dos alimentos e a especulação nos mercados de produtos básicos, como meio indispensável para combater a fome e a pobreza.
13. Denunciar a compra massiva de terras em países do Sul, por parte das potências estrangeiras e multinacionais, com o objetivo de explorar seus recursos naturais ou dedicá-los a projetos que comprometem o meio ambiente ou o equilíbrio de seus ecossistemas.
14. Promover um convênio marco para a responsabilidade ambiental e social das empresas e legislações nacionais que condenem práticas nocivas e abusivas das mesmas, levando em conta o caráter transnacional das suas operações.
15. Promover ações de controle sobre a publicidade comercial, a incitação ao consumo desmedido e a criação de falsas necessidades, sobretudo os encaminhados à infância e a juventude e, por outro lado, estabelecer políticas de incentivo à publicidade de bem público, que constitua fonte de informação e práticas sustentáveis.
16. Que seja feito um firme pronunciamento em favor de orientar a educação e a ciência em benefício do desenvolvimento humano e não em função do mercado, baseado em uma nova ética do consumo que, sem sacrificar o essencial das satisfações materiais, rejeite os produtos frutos de práticas ecologicamente agressivas ou do trabalho escravo e de outras formas de exploração.
17. Promover a revisão e modificação do sistema de propriedade intelectual vigente, à luz das negociações sobre o meio ambiente, a agenda de luta contra a mudança climática e os direitos humanos, de modo que possa facilitar-se a transferência de tecnologias e conhecimentos práticos ambientalmente saudáveis, ou o acesso a eles.
18. Exigir que a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), como organização do sistema das Nações Unidas, encare a urgente necessidade de uma mudança de paradigma a respeito da investigação científica internacional e o conhecimento, de maneira que, deixando de lado os mecanismos de mercado,  fomente a necessária colaboração, a investigação coordenada e a difusão e aplicação de seus resultados em grande escala. Que sejam implementados por esta organização os mecanismos  necessários  para propiciar, no menor tempo possível, uma transição energética efetiva e as medidas de mitigação da mudança climática.
19. Que seja promovida uma reavaliação integral do sistema de governança ambiental existente, que demonstrou ser incapaz de deter a catástrofe ecológica, e sejam criadas as bases de um novo, inclusivo, autenticamente democrático e participativo, que seja dirigido às causas profundas da crise, e seja capaz de promover soluções reais a esses problemas para as atuais e futuras gerações. Gera um novo Contrato Social em nossos países e em escala internacional.
Rebelión, 19-11-2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário