segunda-feira, 16 de novembro de 2015

OsOs donos da casa donos da casa

Para cuidar da casa comum, urge desenvolver em todos nós um grande sentido de responsabilidade.

Por Dom Alberto Taveira Corrêa*
“O Espírito e a Esposa dizem: ‘Vem!’ Aquele que ouve também diga: ‘Vem!’ Quem tem sede, venha, e quem quiser, receba de raça a água vivificante. Para todo o que ouve as palavras da profecia deste livro vai aqui o meu testemunho: se alguém lhe acrescentar qualquer coisa, Deus lhe acrescentará as pragas que estão aqui descritas. E se alguém retirar algo das palavras do livro desta profecia, Deus lhe retirará a sua parte da árvore da vida e da Cidade Santa, que se encontram descritas neste livro. Aquele que dá testemunho destas coisas diz: ‘Sim, eu venho em breve’. Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22, 17-20). Do início da vida da Igreja e até que o Senhor se manifeste em sua glória, o seu dia, anunciado, esperado e aguardado por todos os cristãos, que clamam por sua vinda, com o Apocalipse, tem intrigado as sucessivas gerações, desejosas de interpretar os sinais dos tempos, para estar preparadas. E o Senhor mostra que a brevidade proclamada se estende pelos séculos afora. Pode ser o dia de hoje o último, ou pode ser o primeiro de muitos outros! Como agir e viver com serenidade o tempo em que vivemos? É que o passado já foi, e dele devemos pedir perdão pelas falhas e agradecer pelos acertos. O futuro ainda não chegou e só se fará presente com as graças que o Senhor, a seu tempo, quiser oferecer-nos! O desafio é o tempo presente, pois “quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu nem o filho, mas somente o Pai” (Mc 13, 32).
Uma certeza pode e deve habitar o nosso horizonte: “não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da que está para vir” (Hb 13, 14). Aguardamos com firme esperança a vinda do Senhor e sabemos que nos aguarda uma eternidade feliz, na contemplação da Trindade e a companhia da Virgem Maria, dos anjos e dos santos. A consciência da precariedade das coisas e do tempo em que vivemos oferece o sentido exato de seu uso. Existem para o nosso bem e crescimento e não para o apego desenfreado àquilo que, sabemos por experiência própria, é transitório e efetivamente vai passar! Outra certeza da fé nos dá a convicção de que o céu e a terra passarão, mas as suas palavras não passarão (Cf. Mc 13, 31).
Durante o tempo que nos é dado, breve, mas destinado a ser aproveitado com dignidade, vale a comparação com uma casa a ser cuidada pelos servos do Senhor, que um dia vai voltar. Fidelidade, dedicação, prontidão, cuidado. O Papa Francisco tem repetido que se trata do cuidado com a casa comum que nos foi entregue. Sim, somos chamados à responsabilidade uns com os outros, com a natureza e com os rumos da história humana, naquele período de tempo, limitado, mas fecundo, que nos é dado habitar nesta terra, para depois dar contas ao Criador (Cf. Hb 9, 27).
Para cuidar da casa comum, urge desenvolver em todos nós um grande sentido de responsabilidade. O que me cabe fazer pode ser aparentemente muito pequeno, mas é a tarefa de cada dia e no lugar em que eu me encontrar. Uma torneira aberta, o lixo jogado na rua, o avanço no sinal vermelho do trânsito e, mais ainda, o uso irresponsável e escandaloso dos meios de comunicação, o mau exemplo dado às crianças, o uso de palavras inadequadas e a mentira, são todas estas manifestações de falta do cuidado! Quando o mundo todo e minha cidade ou o meu bairro vierem a ser considerados como casa, acontecerá um verdadeiro mutirão silencioso, no qual se construirá novo parâmetro de relacionamento com as pessoas e com as coisas, segundo a vontade de Deus.
Fazer bem feito é outro modo de saber-nos “donos da casa” que foi criada por Deus com tanto amor. Vale o exemplo negativo do trabalhador que passa o dia inteiro pensando apenas no horário de “bater ponto” para sair. O atendimento às pessoas ficará comprometido e maior será o cansaço decorrente de não viver bem cada momento presente e de não infundir ideais nobres naquilo que se faz. Quem sonha mais alto e sonha o melhor espalha o bom odor do exemplo que edifica. Torna-se imensamente séria a recomendação do Apóstolo: “Graças sejam dadas a Deus que nos faz sempre triunfar em Cristo e que, por meio de nós, vai espalhando por toda a parte o perfume do seu conhecimento. De fato, nós somos o bom odor de Cristo para Deus, entre os que são salvos e entre os que perecem. Para os que perecem, somos odor de morte, para a morte; para os que se salvam, somos odor de vida, para a vida. Quem está à altura de tamanha responsabilidade? Realmente, não somos como tantos outros que mercadejam a palavra de Deus. Nós falamos com sinceridade, da parte de Deus e na presença de Deus, em Cristo” (2 Cor 2, 14-17). Responsabilidade e seriedade naquilo que nos cabe fazer e naquilo que sabemos fazer!
Os “donos da casa” sabem estabelecer a vigilância necessária à proteção daquilo que nela se encontra. Casas hoje se armam de alarmes, muros e outros sistemas considerados essenciais! No entanto, a casa do coração anda sujeita ao emporcalhamento corrente do ponto de vista moral. Mais uma vez e ainda com mais força, com apoio de instituições e meios de comunicação, espalha-se por nosso país e com maior força uma nova onda abortista, inclusive com o elogio de clínicas e profissionais que realizam o que chamam apenas de “procedimento”. Do outro lado do mundo, os chineses revertem a política do filho único, ao verem longe, com seus olhos aparentemente pequenos, o resultado da política antinatalista implantada à força durante décadas! Mundo velho e cheio de contradições! Muito cedo pagaremos caro por entrarmos no coro desafinado do desrespeito à vida nascente, iludindo as pessoas que sofrem, tantas vezes por uma gravidez resultante de violência, facilitando-lhes violência ainda maior, cujos frutos emocionais serão indeléveis. Deus ajude para que, de alguma forma, todos os envolvidos em tais campanhas contrárias à vida encontrem a porta da misericórdia, a única cura verdadeira para as feridas decorrentes. E porta da misericórdia estará aberta durante o ano do jubileu. Basta procurar qualquer sacerdote, pois ele tem as chaves!
Os “donos da casa” precisam limpá-la com frequência! Purificação dos ambientes, purificação do corpo e da alma! Não desperdiçar as duras lições do quotidiano! Estamos aprendendo, com a crise corrente, a ser mais sóbrios em nossos gastos! Começamos a descartar o que é supérfluo, melhor ainda se o fizermos com partilha generosa dirigida às pessoas que necessitam daquilo que estamos guardando em casa, mas, efetivamente, já pertence ao próximo. Podemos ainda rever o uso do tempo, ou, quem sabe, o que estamos oferecendo ou permitindo quanto ao acesso de crianças, adolescentes e jovens aos meios de comunicação. Casa de todos, mundo que foi dado por Deus e por ele somos responsáveis!
CNBB 13-11-2015
*Dom Alberto Taveira Corrêa é arcebispo de Belém (PA).

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